(Escrito por Renato Coelho)
Atualmente várias regiões do mundo vem enfrentando uma forte terceira onda da pandemia do novo coronavírus, inclusive o Brasil. Em quase todos os estados do Brasil, a ocupação de leitos para UTI’s está novamente quase no limite de 100%, com indícios de colapso iminente do sistema de saúde. A terceira onda de contágios é consequência da falta de políticas públicas eficazes de prevenção e de mitigação dos contágios pelo vírus Sars-Comv-2. As flexibilizações precoces e o lento processo de vacinação no Brasil servem de estopim para o surgimento desta iminente terceira onda da covid-19.
São vários os fatores envolvidos na mecânica de contágios através do novo coronavirus, que vão desde a amplitude da mobilidade humana, o distanciamento social, a frequência de aglomerações de pessoas, a utilização ou não de máscaras, a velocidade da vacinação, testagem em massa, a implementação de lockdown, o isolamento social, as questões sócio-econômicas e a qualidade da chamada rede de atenção básica de saúde aos doentes. Todos estes fatores estão correlacionados ao porcentual de contágios e de óbitos numa determinada região. Essas variáveis influenciam diretamente na velocidade de contágios e na dispersão da pandemia no mundo. Entretanto, pesquisas realizadas pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (https://www.lshtm.ac.uk/) demonstram que cerca de 80% dos contágios da Covid-19 são transmitidos por cerca de apenas 10% dos contaminados. Por trás destes números se escondem os chamados “superspreaders”, palavra que traduzida para o português significa “superespalhadores”, ou seja, existem certas pessoas e em determinados ambientes que juntos são capazes de transmitirem o vírus numa escala muito superior à média regional ou nacional de uma dada região ou país. O surgimento dos “superspreaders” está relacionado à dinâmica de propagação e de contágio do vírus Sars-Cov-2.
Um “superspreader” não é uma pessoa, mas sim um conjunto de situações ou eventos sociais, que envolvem muitas pessoas, ambientes específicos e o vírus Sars-Cov-2. A combinação de certos locais, com aglomerações de pessoas e o vírus da covid-19, são os ingredientes necessários e suficientes para o surgimento dos “superspreaders”, ou seja, os ambientes ou eventos super espalhadores do novo coronavirus.
Na história recente da pandemia do novo coronavirus, existem vários registros e confirmações de eventos “superspreaders”. Um dos primeiros casos noticiados e documentados de ambientes superespalhadores ocorreu na cidade de Washington nos EUA, onde 61 membros de um coral se reuniram sem as medidas preventivas contra a covid-19, e um dos integrantes do coral, presente no encontro, estava contaminado pelo novo coronavirus, porém, era assintomático. Após a realização deste evento, 53 pessoas testaram positivas para a covid-19, 3 pessoas foram hospitalizadas e 2 morreram. [1]
Outro exemplo de evento superespalhador ocorreu em uma igreja em Seul, capital da Coréia do Sul, onde uma mulher, membra da igreja e que apresentava sintomas leves da covid-19, frequentou uma reunião daquela igreja, onde todos os participantes tiraram as máscaras para a realização de uma liturgia eclesiástica, e ao final daquela reunião, segundo dados do próprio governo coreano, 43 fiéis da igreja foram contaminados por apenas essa única pessoa.
Ainda na Coréia do Sul, um homem de 29 anos e contaminado com a covid-19, frequentou cerca de cinco (5) boates em um único final de semana na capital Seul, e após dançar e beber com várias pessoas nas boates por onde passou, provocou um surto de covid-19 contaminando dezenas de pessoas, criando um evento denominado superespalhador. [2]
Vários outros casos ocorridos também no Brasil podem ser relatados como exemplo de eventos superespalhadores, como os jogadores e a comissão técnica do Flamengo, que se contaminaram em viagem ao Equador durante a realização do torneio de futebol Libertadores da América no segundo semestre de 2020. Outro exemplo de ambiente superespalhador também ocorrido no Brasil, foi a posse do presidente do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2020, onde a maioria dos convidados e membros da corte foram contaminados, mesmo seguindo protocolos rígidos de segurança contra a covid-19. Neste caso se destaca a aglomeração de pessoas num ambiente fechado com ar condicionado. A cerimônia durou mais de três (3) horas e as pessoas ficaram confinadas num lugar fechado e sem ventilação natural, e mesmo com distanciamento e o uso de máscaras, houve um grande número de contágios entre os participantes devido ao efeito aerossol do vírus Sars_Cov-2, permitindo o contágio pelo ar e tornando o salão do STF num espaço superespalhador.
O evento superespalhador mais famoso e que ficou conhecido mundialmente foi a cerimônia na Casa Branca, realizada em setembro de 2020 e que contaminou o presidente e candidato à reeleição dos EUA, Donald Trump. Já neste caso não houve a utilização de máscaras pelos participantes e nem tão pouco foi respeitado o distanciamento social. Mesmo sendo um evento realizado ao ar livre, se transformou assim num superespalhador da covid-19 em virtude das intensas e constantes aglomerações naquele local.
Logo vemos que os chamados “Superspreaders” são eventos sociais capazes de potencializar a transmissão do vírus Sars-Cov-2. Se, por exemplo, numa cidade o índice de transmissão (Ro ou Rt) é alto e igual a 2 (Ro=2), significa que uma pessoa contaminada é capaz de transmitir o vírus para duas (2) outras pessoas. Mas no caso de um superespalhador, ele pode transmitir o vírus para 10, 50 ou 100 pessoas dependendo do contexto e não obedecendo a regra da constante de transmissibilidade Ro.
Qualquer ambiente onde ocorram aglomerações e não se respeitem as regras de distanciamento social e o uso correto de máscaras, pode se transformar em um potencial evento superespalhador. Inclusive ambientes fechados e pouco arejados, mesmo com as prevenções adequadas, podem também se transformar em superespalhadores, como no exemplo da cerimônia de posse no STF em Brasília.
Não existe um ambiente em si mesmo que seja superespalhador, esses ambientes são criados pela dinâmica de transmissão do vírus e também pelo contexto da aglomeração, e que combinados, bastando apenas a presença de um única pessoa positiva para a covid-19, faz então surgir o superespalhador e consequentemente potencializando os contágios.
As academias de ginástica, colégios e as escolas de natação também podem se transformar em ambientes superespalhadores, desde que os ingredientes citados acima estejam presentes. Estes ambientes são na sua grande maioria locais fechados com ar condicionado, com intensas aglomerações de alunos e funcionários. Ressalta-se ainda a realização, por parte dos praticantes, de uma respiração intensa e ofegante nestes ambientes, facilitando as transmissões virais, levando risco a todos os frequentadores destes espaços. Vale destacar que a transmissão mais importante para a covid-19 se dá essencialmente pelo ar, ou seja, o contágio ocorre através das vias respiratórias, e as transmissões por superfícies ou por contato são quase impossíveis, segundo pesquisas recentes.
Muitos dos protocolos planejados para as academias e escolas (incluímos aqui também as escolas de natação) em sua maioria não são eficazes no cotidiano brasileiro onde constantemente o índice de transmissão é maior do que 1 (Rt>1). Na data de hoje, na postagem deste texto, segundo o Imperial College de Londres, o Rt no Brasil equivale a 1,02.
E mais uma vez, tanto no ambiente escolar quanto nas academias, a educação física está sendo colocada em xeque, não pelo vírus Sars-Cov-2, mas pelo total descaso das autoridades e pelo mercado insaciável do capital, que exclui os trabalhadores e alunos da educação física do direito e acesso universal à vacina, à proteção e à saúde, impondo o desemprego e a fome àqueles que não tem opção em escolher entre a vida ou a morte dentro do contexto da super exploração do trabalho na pandemia.
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