Aulas de natação e a Pandemia



Foto 01 - Parque Aquático - Centro de Excelência dos Esportes - ESEFFEGO  (Goiânia)


(Escrito por Renato Coelho)

Atualmente o mundo está enfrentando uma pandemia que tem provocado, além das graves crises econômicas e sociais, também centenas de milhares de contágios e de óbitos em pessoas por todo o planeta. Segundo os dados atuais do Ministério da Saúde, o Brasil já contabiliza mais de 410.000 óbitos pela Covid-19 e aproximadamente 15 milhões de contágios desde o início da pandemia. Mesmo sabendo que estes números são subnotificados, é uma estatística assustadora e inadmissível, e no entanto, poderia ter sido uma realidade muito diferente se existissem políticas públicas de mitigação e de prevenção de contágios da Covid-19 no país. 
O vírus Sars-Cov-2 tem demonstrado ser bastante contagioso com alta letalidade no Brasil, e ainda totalmente desconhecido pela ciência moderna. Não se sabe ainda com exatidão e clareza como é a sua real dinâmica de contágios e as suas diferentes formas de ação sobre o corpo humano. São várias as perguntas ainda sem respostas sobre o novo coronavírus e a cada dia surgem novas perguntas. Como se dá as transmissão do vírus em crianças? Por que pessoas jovens e sem comorbidades morrem pela covid-19? Como surgiu de fato a primeira transmissão pelo Sars-Cov-2 em humanos? Existem protocolos de segurança 100% eficazes? As vacinas recém descobertas serão eficazes diante das novas mutações? Quais as consequências e as sequelas da Covid-19 a longo prazo em pessoas que já foram infectadas?

E é dentro deste contexto tenebroso em que se encontra atualmente a Educação Física e o ensino da natação, onde professores e alunos estão diariamente participando de aulas em pleno auge de contágios e de óbitos no país, entretanto, sem nenhuma certeza sobre a real situação da pandemia em Goiás e no Brasil, pois a subnotificação e a ausência de testagem em massa são notórias. É seguro ministrar aulas de natação no estágio atual da pandemia? Podemos confiar inteiramente nos protocolos adotados pelas escolas, academias e clubes de natação? Quais os verdadeiros riscos para praticantes e professores de natação diante da propagação acelerada do vírus? Deve-se cancelar ou manter as aulas de natação no atual momento  da chegada iminente de uma terceira onda da pandemia no Brasil?

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deflagrou tardiamente o alerta de pandemia do vírus Sars-Cov-2 para todos os países, e no dia 13 de março, o governo do Estado de Goiás, através do decreto nº 9633, impôs várias medidas de isolamento social com paralisação de todo o setor produtivo, exceto as chamadas atividades essenciais ligadas à saúde, alimentação e ao transporte. E no dia 15 de março todas as atividades presenciais das instituições educacionais também foram suspensas e substituídas por aulas remotas via internet. A partir de então, todas as aulas presenciais foram substituídas pelo chamado Ensino à Distância (EaD), inclusive as aulas de natação em escolas, clubes e universidades. Aulas presenciais em geral foram substituídas por aulas virtuais, a fim de se evitar aglomerações e contatos diversos entre pessoas que pudessem potencializar os contágios pelo novo coronavirus. As aulas presenciais de natação também entraram nesse universo de proibições. Não houve de fato continuidade ou eficácia nas medidas iniciais adotadas pelo governo estadual, não perdurou se quer por duas semanas e ainda a grande pressão e o lobby dos setores econômicos contra medidas rígidas de controle da pandemia prevaleceram. Nunca houve em Goiás ou no Brasil a implantação de lockdown para conter o avanço de mortes pela pandemia. Não houve tão pouco a criação pelo governo estadual de políticas públicas efetivas de auxílio econômico aos que perderam os empregos ou que tiveram que paralisar as suas atividades laborais. Os resultados são contabilizados atualmente nas mais de 15 mil vidas abreviadas somente no estado de Goiás, sendo uma das mais altas taxas proporcionais de mortalidade de todo o mundo.

Mas afinal de contas, quais seriam os problemas para a suspensão das aulas presenciais de natação? Haja visto que as mesmas são realizadas em ambientes abertos, ao ar livre e a água das piscinas quando bem tratadas possuem alta concentração de cloro. Então, o por quê da sua suspensão? Vamos então para as respostas:

Desde que não hajam aglomerações, as atividade da natação em si mesma ou qualquer outra atividade aquática não é capaz de potencializar ou promover contágios ou mortes pela covid-19, ainda mais levando-se em conta que as atividades aquáticas são realizadas, em sua maioria, em espaços abertos e ao ar livre. As questões relacionadas aos contágios não se relacionam diretamente às práticas dos exercícios físicos aquáticos em si, sejam em piscinas, rios, lagos ou no mar. Entretanto, o maior perigo reside de fato nos contatos e aglomerações que essas atividades aquáticas são capazes de promover dentro ou fora das piscinas, nas praias ou ainda dentro das escolas de natação. 

As aulas de natação não são comparáveis a outras atividades sociais quaisquer, pois envolvem grupos de pessoas que podem produzir interações totalmente distintas daqueles realizados em áreas comerciais ou em locais de lazer. Uma pessoa pode nadar sozinha numa piscina, realizar um mergulho livre e solitário no rio, lagoa ou no mar sem contribuir para a propagação do vírus Sars-Cov-2. O grande problema é que as atividades aquáticas podem ser promotoras de aglomerações, seja numa praia e mais ainda numa escola de natação. Uma criança, por exemplo, que participa de uma aula na escola, suponhamos que seja uma escola de natação, em uma pequena turma de 20 alunos, ela é capaz de efetuar mais de 808 contatos apenas nos primeiros dois (2) dias de aulas, contando aqui todos os contatos no seu trajeto, a partir da saída de sua casa até a escola, no caminho de ida e volta, e também levando em conta os contatos que se dão no interior da escola com colegas e professores. Além da possibilidade de se promover aglomerações de pessoas numa aula de natação, há que se destacar ainda um segundo fator importante, que é o tempo de permanência nas aulas, que pode durar em média entre uma e duas horas no mínimo, onde o tempo prolongado de permanência amplia ainda mais o número de contatos. (ARROYO, 2020)

A água da piscina estando higienizada, clorada e constantemente tratada, estará com o índice de PH ideal, e assim não se tornará em ambiente favorável a novos contágios, pois o vírus Sars-Cov-2 não é capaz de sobreviver ao contato de soluções químicas adicionadas à água de uma piscina tratada regularmente. Porém, segundo pesquisas recentes, o vírus Sars-Cov-2 é capaz de sobreviver em determinadas superfícies por horas ou dias. Por exemplo, no aço inoxidável e no plástico, o tempo médio de vida do novo coronavirus é de 3 dias; já no papelão é de 1 dia e no cobre é cerca de 4 horas. Logo, mesmo sabendo que é muito baixa a possibilidade de transmissão do vírus através de superfícies de contato, sendo a probabilidade de infecção em  menos de 1 contágio a cada 10.000 toques na superfície contaminada (CDC, 2021). Ainda assim, ainda que pequena, é possível a sua transmissão por superfícies de contato, daí a importância da lavagem das mãos constantemente. 



Fig. 01 - Tempo de vida do Novo Coronavírus em superfícies distintas.

Supondo ainda que tais ambientes onde se realizam as aulas de natação sejam sanitizados diariamente, higienizados e passem por rigorosos protocolos de segurança sanitária contra contágios por vírus, o grande problema passa a ser agora os contatos sociais dentro das aulas, as interações e as aglomerações dentro e em volta das piscinas. 

Numa piscina, mesmo considerando as instalações em espaços abertos, os contatos mais importantes entre alunos e professores, e entre alunos e alunos se dão principalmente nas bordas das piscinas, nos blocos de saída, nas escadas das piscinas e nos vestiários. Torna-se praticamente impossível eliminar esses contatos considerando as relações e interações nas aulas de natação, dentro e fora das piscinas. E quando se trata de aulas de natação para crianças entre 01 a 05 anos de idade, a situação se complica ainda mais, pois surge a necessidade do professor(a) estar na água junto com a criança, não sendo possível o distanciamento social, e a transmissão do vírus se torna muito mais fácil e rápida, sendo capaz de promover novos surtos. 

Outro fator importante e que deve ser levado em consideração com relação ao ensino da natação em tempos de pandemia, é que a prática da natação, por ser uma atividade essencialmente aeróbica, envolve contínua e  intensa respiração (inspiração e expiração de forma explosiva) capaz de potencializar a produção de gotículas de saliva e de aerossóis no ambiente externo. Outra característica importante da respiração durante a atividade de natação, consequência da inspiração e expiração rápida, contínua e explosiva, é a eliminação intensa e contínua de expurgos, ou seja, é muito comum um nadador expelir durante as aulas na piscina, uma grande quantidade de fluídos pelo nariz e pela boca, como por exemplo, grande quantidade de catarro. E essa importante peculiaridade da prática de natação, pode facilitar os contágios e surtos pelo novo coronavirus, bastando apenas um único aluno presente nas aulas estar positivado para a Covid-19  e haver contatos entre eles.

Existem normas e protocolos importantes a serem utilizados em aulas de natação, como o rodízio de alunos, distanciamento (um aluno por raia), disponibilização de álcool em gel, uso de máscaras e protetores faciais pelos professores, escalonamento de horários por turmas, uso de tapetes sanitizantes, aferição de temperaturas e etc. Porém, a continuidade ou não das aulas deve obedecer a rígidos critérios relacionados ao grau de contágios e de óbitos na cidade ou país. Caso contrário, nenhuma destas normas ou protocolos, por mais rígidos que sejam, surtirão o efeito esperado no que tange à proteção de alunos e de professores nas aulas de natação, pois não existe protocolo sanitário com 100% de eficácia quando se registra grande crescimento na curva exponencial de contágios.



Fig. 02 - Coeficiente de Transmissão Rt  (Rt > 1 e Rt < 1)

O chamado coeficiente de transmissão (Rt) mede a velocidade de transmissão do vírus, permitindo acompanhar a taxa de evolução e a dinâmica da pandemia ao longo do tempo. Como mostra a figura 02 acima, quando a curva sobe (ascendente) significa que a taxa de transmissão está em aceleração (Rt > 1), indicando que os contágios estão aumentando. Quando a curva é descendente,  significa que Rt<1, logo os contágios estão diminuindo ao longo do tempo. Quando Rt = 1 , significa que a curva é constante (platô). Por exemplo, se numa dada cidade o Rt = 2,3 (Rt > 1), significa que 10 pessoas transmitem o vírus para outras 23 pessoas, mostrando que a pandemia está fora de controle e crescendo. Se o Rt = 0,5 (Rt<1) demonstra que 10 pessoas contaminadas transmitem o vírus para outras 5 pessoas, assim sendo a pandemia está sob controle e em diminuição. As aulas de natação só devem ser realizadas quando o Rt <1 e ainda quando os números absolutos de contágios e de óbitos também forem baixos. É importante destacar também que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS | Brasil (who.int), para a abertura de escolas e quaisquer outras atividades não essenciais, o número de testes positivios em RT-PCR da população nunca deve ser superior a 10% (100 testes positivados para cada 1.000 pessoas testadas). 

Portanto, não basta apenas a adoção de critérios de biossegurança nas aulas ou em escolas de natação. O uso de álcool em gel nas mãos, medidor de temperatura, máscaras e protetores faciais de acrílico são importantes, porém, não são capazes de garantir total segurança de alunos e de professores numa escola ou academia de natação quando a pandemia numa cidade ou país está fora de controle, como é o caso do Brasil.  É fundamental ainda observar a dinâmica de evolução do vírus na cidade ou região na qual residem os sujeitos envolvidos nas atividades de ensino e aprendizagem da natação. Quando, por exemplo, o coeficiente de transmissão (Rt) em uma cidade for superior a 1,  (Rt>1) indicando aceleração de contágios numa dada região e o descontrole da pandemia, as aulas de natação devem ser suspensas, pois não existem protocolos seguros e eficazes para aulas presenciais de natação nestas circunstâncias em que a curva exponencial de contágios é crescente (Rt>1), e o melhor a se fazer nesta situação é o isolamento social e o cancelamento das atividades não essenciais, como por exemplo, o cancelamento das aulas presenciais de natação.  Porém, infelizmente esses cuidados e prevenções não estão sendo observados na cidade de Goiânia, em Goiás ou Brasil de forma geral. Com a flexibilização de todas as atividades econômicas não essenciais e o total descontrole da pandemia em Goiás, estamos assistindo o surgimento de uma iminente terceira onda de contágios e com características mais danosas e agressivas do que a primeira e a segunda onda que já assistimos e presenciamos no país, podendo infelizmente produzir maiores danos e vítimas, conforme apontam as análises epidemiológicas atuais.

 

Bibliografia Consultada:

ARROYO, J. Colocar 20 crianças numa sala de aula implica em 808 contatos cruzados em dois dias, alerta universidade. Jornal EL PAÍS, jun. 2020.  Disponível em: < https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-06-17/colocar-20-criancas-numa-sala-de-aula-implica-em-808-contatos-cruzados-em-dois-dias-alerta-universidade.html>. Acesso em:03/02/21.


CDC (Centers for Disease Control and Prevention) COVID-19. Disponível em: <Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) | CDC>. Acesso em: 04/05/2021.


OBSERVATÓRIO COVID-19 BR. Experiência internacional na reabertura de escolas e situação no Brasil: porque não podemos fazer comparações diretas.Set, 2020. Disponível em: < https://covid19br.github.io/analises.html?aba=aba12#>. Acesso em: 03/02/21.