(Escrito por Renato Coelho)
As pandemias na história mundial são descritas por ciclos chamados de “ondas”, que indicam a sua frequência ou o número de repetições ascendentes (ver figura 01 abaixo). Uma onda representa o intervalo no qual se observa elevação contínua e exponencial de contágios ou de mortes e é sempre seguida por um pico (ponto máximo de casos ou mortes) e vindo logo após, uma queda também contínua, porém, abrupta. Uma onda pode ainda ser seguida por um “platô”, o chamado platô de casos representa um intervalo de estabilidade, onde se observa a manutenção de contágios ao longo do tempo após se atingir o pico, entretanto, sem decréscimo ou queda dos números.
Na pandemia da chamada gripe
espanhola ocorrida entre os anos de 1918 a 1920, foram observadas quatro (4)
ondas ao longo do período. O número total de mortos da gripe espanhola não é
preciso, mas há estimativas que apontam em mais de 60 milhões de mortes. Evidências
mostraram que o vírus surgiu entre soldados numa base militar localizada nos
EUA durante a Primeira Guerra Mundial. O deslocamento das tropas americanas pela
Europa ajudou na difusão do vírus pelo planeta, provocando o surgimento da
pandemia da gripe espanhola em 1918 com o retorno das tropas militares aos seus
países de origem. O grande fluxo de soldados pelo mundo durante a Primeira
Guerra Mundial fez explodir os casos e mortes pela gripe espanhola no planeta,
inicialmente na Europa e nos EUA e em seguida se espalhando para todos os
demais países do mundo.
Figura 01 – Curva exponencial de contágios em uma pandemia: A – primeira onda; B – segunda onda.
Atualmente, neste início do ano de 2021, o Brasil vivencia a segunda onda da Covid-19 com mais de 200 mil mortos. A primeira onda no Brasil teve início em março de 2020, porém, cada estado da federação experimentou uma curva ou onda diferenciada da pandemia, não somente com amplitudes e variações distintas, mas como também dinâmicas e tempos muito diferenciados na chamada primeira onda. O vírus Sars-Cov-2 chega ao Brasil principalmente pelos grandes aeroportos internacionais. A primeira onda no Brasil começou nas capitais e nos grandes centros urbanos e em seguida seguiu em direção ao interior pelas rodovias. Já a segunda onda que presenciamos atualmente, passou a ter um comportamento diferenciado, ela cresce de forma quase simultânea em todos os estados e entre as cidades do país, tanto em cidades grandes quanto pequenas.
Na primeira onda o vírus se
concentrou primeiramente nas capitais, ficando muitas cidades sem confirmação
da presença do vírus por um determinado tempo. Porém, nesta atual segunda onda
observamos que todas as cidades do país, grandes, médias e de pequeno porte já
possuíam a transmissão comunitária do novo coronavírus, e é essa nova
característica que diferencia a primeira da segunda onda, e é capaz de explicar
o crescimento maior e mais rápido desta segunda onda da pandemia no Brasil. O
fato desta segunda onda estar também superando todos os recordes de casos e de
óbitos da primeira onda se deve ao fato do relaxamento das regras de isolamento
social e da exaustão da população com relação a essas mesmas regras. A exaustão
das pessoas e o descrédito em seguir as regras de isolamento social por grande
parte da população se deve ao fato da demora e do fracasso do Estado nas suas
políticas públicas de controle da pandemia, ou mesmo na ausência destas
políticas. Na verdade, nunca houve e ainda não há no Brasil, nenhuma política
pública nacional de mitigação de contágios da Covid-19. O que assistimos é a
eclosão de uma segunda onda que se iniciou em dezembro de 2020 e tem aumentado
vertiginosamente já nos primeiros dias do ano de 2021, com amplitude e
velocidade muito superiores aos da primeira onda vivenciada no ano anterior.
Quando a pandemia está fora de controle e as pessoas, que outrora estavam em
isolamento social em suas casas, passam a ter uma maior mobilidade nas ruas,
faz provocar então um aumento de casos muito maior do que na primeira onda. Com
a demora para se debelar uma pandemia por parte dos gestores públicos, a vida
em isolamento contínuo se torna insuportável e desumana, logo as pessoas perdem
o medo do vírus e tentam restabelecer hábitos da vida anterior, e nesse
enfrentamento, quem sempre leva a melhor é o vírus, daí o alto número de
internações e de óbitos. Numa primeira onda o medo do vírus ajuda as pessoas a
permanecerem em casa, porém, com a demora ou ineficácia da liberação de
auxílios econômicos aos indivíduos afetados, a demora com a politização e a
mercantilização na distribuição das vacinas, também o desemprego, a fome e a
falta de perspectivas futuras num país pobre como o Brasil, obrigam as pessoas
ao tudo ou nada, e a única solução é a de encarar o vírus a fim de sobreviver,
resultando num aumento no percentual da mobilidade urbana. Porém, como não
existem tratamentos e a vacinação ainda é muito lenta e retardatária em relação
à velocidade do vírus, as consequências passam a ser o elevado número de
contágios e de óbitos.
Figura 02 – Curva exponencial de contágios no Brasil: A – primeira onda; B – segunda onda. (fonte: Ministério da Saúde - https://covid.saude.gov.br/)
Podemos chamar de eventos “gatilhos” aqueles capazes de provocar grandes aglomerações em um determinado intervalo de tempo e em consequência produzir uma elevação importante nos contágios e nas internações em hospitais. Os eventos gatilhos podem fazer surgir uma nova onda na pandemia.
Três eventos importantes ocorreram
no final de 2020 no Brasil e provocaram juntos uma explosão de casos e em
consequência uma gigantesca segunda onda da covid-19 no país. Estes eventos chamados
de “gatilhos” foram capazes de provocar uma ampliação exagerada de contágios no
Brasil durante o segundo semestre de 2020 e também o colapso dos hospitais em
vários estados da federação atualmente, porém, estes eventos sozinhos não são
os únicos responsáveis pelo crescimento exponencial desta segunda onda. A
ausência de testagem em massa, o sucateamento do sistema de saúde e a ausência
de políticas de prevenção e de comunicação para com a população também foram
fatores que somados, contribuíram grandemente para o caos sanitário no qual o
Brasil se encontra hoje.
O primeiro “evento gatilho” foi
o período de campanha eleitoral realizada nos municípios de todo o país realizados
entre os meses de outubro e dezembro de 2020 (primeiro e segundo turno das
eleições municipais 2020). O TSE autorizou a realização das eleições em pleno período
de pandemia e ainda a promoção de campanhas eleitorais presencias, que foram
foco de grandes e contínuas aglomerações entre os meses de novembro e dezembro
de 2020. O segundo gatilho foi a celebração do Natal entre familiares e o
grande movimento no comércio provocado por esta data comemorativa. Já o
terceiro gatilho foram as celebrações e viagens de ano novo que também
provocaram aumento significativo dos contágios.
Figura 03 – Curva exponencial de óbitos no Brasil: A – primeira onda; B – segunda onda. (fonte: Ministério da Saúde - https://covid.saude.gov.br/)
Vale lembrar ainda que todos os países do mundo fracassaram com relação ao controle da pandemia. O vírus Sars-Cov-2 colocou todos os gestores e políticos do mundo de joelhos. Não adianta apenas culpabilizarmos a população, há erros graves por parte principalmente dos gestores e do próprio Estado no controle e erradicação do vírus Sars-Cov-2, pois a maioria das mortes poderia ter sido evitada, bastando a implementação de políticas seguras e efetivas de mitigação de contágios. É uma situação cômoda culpabilizarmos as vítimas da covid-19 pelos próprios contágios. Não podemos esquecer tão pouco que a iminência de uma pandemia no mundo era um tema já bastante discutido entre a comunidade científica internacional e também era do conhecimento das autoridades mundiais.
O que presenciamos e observamos atualmente com relação à pandemia, não é apenas uma incompetência ou incapacidade das autoridades em resolver o problema dos contágios e mortes, o que se comprova na realidade é a prática do chamado extermínio de classe, onde a maioria das mortes ocorrem nos lares dos trabalhadores pobres e de baixa renda, nas comunidades periféricas, entre a população negra, atingindo principalmente pessoas com comorbidades e idosos. Por isso o desinteresse, a insensibilidade e a demora na efetivação de soluções eficazes no combate à pandemia.
A Natação e a Segunda Onda
Pelas análises anteriores e as
taxas de crescimento observados nos gráficos atualizados do Ministério da Saúde
sobre a pandemia no Brasil, podemos afirmar que todas as atividades presenciais
de educação física deveriam ser suspensas imediatamente. O índice de
transmissão (Rt) no Brasil atualmente está acima de um (Rt>1), inclusive em
Goiás, sendo que existem regiões no país em que Rt =2,7, mostrando que 100 indivíduos são
capazes de contaminar outras 270 pessoas, provocando assim um crescimento exponencial
de contágios. Na prática academias, escolas de natação, escolinhas de futebol,
clubes e escolas em geral deveriam ter as atividades todas suspensas como
medida de prevenção. Porém, sabemos que no Brasil não existem políticas de isolamento
social capazes de garantir a segurança das pessoas contra o vírus e nem mesmo
políticas econômicas de fomento para os professores de educação física ou para
os donos de academias a fim de garantir o sustento financeiro destes trabalhadores
durante uma possibilidade de isolamento social ou lockdown. Portanto, o que
continuaremos assistindo é a manutenção da necropolítica dos governos e
gestores brasileiros na condução da pandemia da covid-19 no país, com aumento contínuo
de contágios, colapsos nas redes hospitalares e do sistema funerários de todos
os estados do país.
O Programa Nacional de
Imunização no Brasil não possui nenhum planejamento e eficácia, e a velocidade
de transmissão do vírus é infinitamente maior do que a das vacinas, o que irá
provocar mais mortes e uma demora muito maior para se atingir a imunização de
toda a população (imunidade coletiva). A
única alternativa que resta à população é manter as regras de distanciamento
social, ainda o uso contínuo de máscaras e a lavagem das mãos. Porém, vale
lembrar que tais medidas de biossegurança não são suficientes para conter o
vírus em locais fechados e com aglomerações quando o Rt > 1, ou seja, em
escolas ou academias em períodos de aceleração da pandemia (Rt > 1) não há
como conter a proliferação do vírus Sars-Cov-2, nestes ambientes, mesmo com o uso
de máscaras, medição de temperatura corporal ou uso de álcool em gel, sendo o aconselhado
a fazer é mesmo o fechamento destes estabelecimentos até que haja uma diminuição
dos contágios por um período maior do que três semanas consecutivas (Rt <
1). Mas devido às relações de poder da sociedade capitalista e as dicotomias entre
trabalho e saúde (economia x isolamento social) criadas no Brasil, dificilmente
as decisões corretas serão acatadas pela sociedade. O que veremos mais uma vez
nesta segunda onda é a própria natureza cuidando das taxas de velocidade e de transmissão
do vírus, assim como aconteceu na primeira onda em 2020, quando o número
elevado de contaminados e de mortos desacelerou o crescimento da pandemia no
Brasil (hoje são mais de duzentos mil mortos no país), onde as consequências negativas e imprevisíveis, tanto na economia quanto para a saúde pública, passam a ser
muito maiores, do que realmente com a realização do isolamento social.
Somando a toda a tragédia
vislumbrada nos parágrafos acima, temos que acrescentar ainda as mutações
genéticas do novo coronavírus detectadas no estado do Amazonas, mas que já
estão espalhadas por todo o continente. As variações genéticas tem mudado radicalmente
as características do vírus Sars-Cov-2, tornando-o mais transmissível,
infeccioso e agressivo, transformando assim as transmissões mais fáceis e rápidas
de pessoa para pessoa e ainda tornando mais severas as consequências da
Covid-19 nos pacientes.
As atividades presenciais em
natação na Universidade Estadual de Goiás deveriam permancer suspensas mesmo com o
início do Programa Nacional de Imunização (vacinação), pois o índice de transmissão
continua alto (Rt > 1) e os efeitos
práticos da vacinação serão observados somente em 2022. Além do mais, a UEG não
possui nenhuma garantia de controle e de segurança contra o vírus em seus
ambientes universitários. É sabido por todos, inclusive já foi veiculado nos
canais da imprensa, sobre o sucateamento da universidade e da precarização em
que se encontram seus prédios, salas e laboratórios. Atividades presenciais de
natação ou qualquer outra atividade acadêmica colocaria em risco a vida de
alunos, professores e de funcionários. Sendo assim, é de fato necessário no
atual contexto de pandemia a permanência do ensino à distância, mas de forma
provisória, mesmo tendo consciência das limitações e das injustiças provocadas
pelo ensino remoto. Mas, devemos lutar para que essa forma de educação virtual não
se generalize jamais dentro da universidade após o período de pandemia, e que os
atuais mecanismos de luta possam pressionar a universidade a fomentar políticas
internas de inclusão digital na forma de assistência estudantil, capazes de garantir
de fato o alcance dos alunos a uma educação de qualidade e gratuita.