Natação e o Novo Coronavírus: não é aconselhável a prática de natação após a infecção por Covid-19

 


(Escrito por Renato Coelho)


No dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou Estado de Emergência Global em virtude da proliferação do novo coronavírus a partir de surtos localizados primeiramente na cidade de Wuhan, na China. Os contágios se espalharam para além das fronteiras chinesas, e vários países do mundo passaram a ter surtos da doença transmitida pelo novo coronavírus. Mas somente no dia 11 de março de 2020 e de forma tardia, é que a OMS decreta para o mundo o alerta de Pandemia do novo coronavírus diante do fracasso das políticas de mitigação de contágios adotadas pelos países afetados. A partir daí, a humanidade passa a enfrentar uma doença altamente letal e completamente desconhecida. Cada descoberta pela ciência sobre a Covid-19 tem se tornado em importante passo para desvendar os mistérios e descobrir a dinâmica da ação do vírus no corpo humano. Não se sabe ao certo os efeitos e as consequências do vírus no corpo humano a longo prazo, já que a doença é muito recente, porém, as observações em pacientes que receberam alta dos hospitais, tem indicado sequelas importantes em decorrência da covid-19. Existem ainda muitas dúvidas sobre a influência dos exercícios físicos em pacientes já recuperados da Covid-19, mas muita coisa tem sido descoberta pela ciência neste curto espaço de tempo de pandemia sobre o tema relacionado a exercícios físicos e a covid-19.

No início da pandemia do novo coronavírus, que se deu durante o primeiro semestre de 2020, se sabia muito pouco sobre as manifestações e as sequelas da Covid-19, porém, várias das perguntas foram sendo respondidas após intensas pesquisas e também através das experiências acumuladas no tratamento de pacientes infectados nestes mais de dez (10) meses de pandemia. Sabe-se atualmente que a Covid-19 não é somente uma doença pulmonar, ela é capaz de provocar a chamada “tempestade inflamatória” no corpo dos pacientes, atingindo praticamente todos os órgãos e tecidos do corpo humano. A Covid-19 é na verdade uma doença sistêmica, capaz de atacar ao mesmo tempo todos os órgãos humanos, desde os pulmões, passando pelo coração, cérebro, pele, olhos, sistema nervoso, rins, sistema circulatório e etc, provocando dificuldades respiratórias, fibroses pulmonares, fraquezas, confusões mentais, perda da libido, tromboses e AVC.




Figura 01 - "Tempestade Inflamatória" provocada pela Covid-19

Um dos órgãos que mais sofre com os ataques do vírus Sars-Cov-2, além dos pulmões, é o coração. O vírus ataca os músculos cardíacos podendo provocar sérias lesões miocárdicas (miocardite), arritmias, palpitações, paradas cardíacas e até mortes súbitas em esportistas e em atletas. Todo o sistema circulatório também sofre influência do vírus com surgimento de coagulações sanguíneas (tromboses). Segundo estudos publicados pela Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) em conjunto com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) [1], mesmo pessoas que apresentaram quadros leves da doença, podem apresentar sérias alterações eletrocardigráficas mesmo setenta (70) dias após o diagnóstico da doença. A Covid-19, segundo o estudo apresentado, tem provocado complicações cardiovasculares em cerca de 16% dos pacientes, lesões cardíacas em 20-30% dos pacientes hospitalizados e contribuindo para 40% dos óbitos. Para aqueles indivíduos que durante a fase aguda da doença apresentaram miocardite e que já receberam alta, a recomendação médica é três meses de espera antes do retorno aos exercícios físicos ou treinamento, e a realização de exames médicos detalhados (APP) neste período considerado.

Sabe-se que durante a pandemia e as regras de isolamento social, muitas pessoas passaram a cultivar uma vida sedentária e com considerável aumento da obesidade. Além disso, agravaram-se entre as populações de vários países problemas relacionados ao estresse, depressão e distúrbios mentais de variadas ordens. Sabe-se também da importância das práticas de exercícios físicos de forma contínua e regular como instrumento eficaz no auxílio do combate ao estresse, do sedentarismo e da obesidade. Os exercícios físicos podem auxiliar na construção de uma qualidade de vida melhor para a população em tempos de pandemia e até ajudar no equilíbrio do sistema imunológico, desde que sejam respeitadas as regras de distanciamento social, utilização de máscaras e a lavagem das mãos. Recomenda-se ainda a prática de exercícios físicos em locais abertos, ao ar livre e sem aglomerações de pessoas. Todavia, devido às sequelas graves provocadas pela covid-19 em pacientes já recuperados, a prescrição de exercícios físicos e de treinos, tem trazido grande preocupação e cautela entre os professores de educação física e os médicos, justamente para aquelas pessoas que já receberam alta, mesmo para os que apresentaram casos leves da doença. As atividades aeróbicas, como a prática da natação, por exemplo, não são recomendadas para pessoas que já tiveram a Covid-19, principalmente devido aos problemas correlacionados às inflamações do miocárdio que afetam grande parte destes pacientes. A sugestão é a realização de exames detalhados do coração e aguardar por cerca de três (3) meses, com acompanhamento médico, o retorno efetivo dos exercícios físicos (aeróbicos), incluso aqui a natação. Abaixo os fluxogramas para o retorno das atividades aeróbicas para pacientes que receberam alta da covid-19. No primeiro fluxograma o algoritmo a ser seguido para aqueles esportistas de práticas recreativas e no segundo gráfico o algoritmo para atletas de alto rendimento no período pós alta de covid-19.



 Figura 02 - Fluxograma para retorno de exercicios físicos em esportistas de recreação após a alta da covid-19.





                          

 Figura 03 - Fluxograma para retorno de exercícios  físicos em  atletas de alto rendimento após a alta de covid-19.





Referências

 [1] https://www.portal.cardiol.br/post/posicionamento-sobre-avaliacao-pre-participacao-cardiologica-apos-a-covid-19

A Natação e os Superspreaders



(Escrito por Renato Coelho)

Atualmente várias regiões do mundo vem enfrentando uma forte segunda onda da pandemia do novo coronavírus, inclusive o Brasil. Nos estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo e no Rio Grande do Sul as ocupações de leitos para UTI’s estão novamente quase no limite de 100%, com indícios de colapso iminente do sistema de saúde. A segunda onda de contágios é consequência da falta de políticas públicas eficazes de prevenção e de mitigação dos contágios pelo vírus Sars-Cov-2. As flexibilizações precoces e as intensas campanhas eleitorais municipais no Brasil serviram de estopim para esta segunda onda de covid-19.

São vários os fatores envolvidos na mecânica de contágios através do novo coronavirus, que vão desde  a amplitude da mobilidade humana, o distanciamento social, a frequência de aglomerações de pessoas, a utilização de máscaras, a higienização das mãos, a testagem em massa, o isolamento social, a densidade demográfica, as questões sócio-econômicas, o tratamento hospitalar dos doentes e também questões culturais que envolvem os contatos e as interações pessoais. Todos estes fatores  estão correlacionados ao porcentual de contágios e de óbitos numa determinada região. Essas variáveis influenciam diretamente na velocidade de contágios e na dispersão da pandemia no mundo. Entretanto, pesquisas realizadas pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (https://www.lshtm.ac.uk/) demonstram que cerca de 80% dos contágios da Covid-19 são transmitidos por cerca de apenas 10% dos contaminados. Por trás destes números se escondem  os chamados “superspreaders”, palavra que traduzida para o português significa “superespalhadores”, ou seja, existem certas pessoas e em determinados ambientes que juntos são capazes de transmitirem o vírus numa escala muito superior à média regional ou nacional de uma dada região ou país. O surgimento dos  “superspreaders”  está relacionado a questões biológicas do indivíduo (carga viral que ele carrega) e também a questões geográficas e culturais. Um “superspreader” não é uma pessoa, mas sim um conjunto de situações ou evento social, que envolvem muitas pessoas, ambientes específicos e o vírus Sars-Cov-2. A combinação de certos locais, com aglomerações de pessoas e o vírus da covid-19, são os ingredientes necessários e suficientes para o surgimento dos “superspreaders”, ou seja, os ambientes ou eventos super espalhadores do novo coronavirus.



Figura 01 - Transmissão do vírus Sars-Cov-2 em evento super espalhador.

Na história recente da pandemia do novo coronavirus, existem vários registros e confirmações de eventos “superspreaders”. Um dos primeiros casos noticiados e documentados de ambientes superespalhadores ocorreu na cidade de Washington nos EUA, onde 61 membros de um coral se reuniram sem as medidas preventivas contra a covid-19, e um dos integrantes do coral, presente no encontro, estava contaminado pelo novo coronavirus, porém, era assintomático. Após a realização deste evento, 53 pessoas testaram positivas para a covid-19, 3 pessoas foram hospitalizadas e 2 morreram. [1] 

Outro exemplo de evento superespalhador ocorreu em uma igreja em Seul, capital da Coréia do Sul, onde uma mulher, membra da igreja e que apresentava sintomas leves da covid-19, frequentou uma reunião daquela igreja, onde todos os participantes tiraram as máscaras para a realização de uma oração coletiva, e ao final daquela reunião, segundo dados do próprio governo coreano, 43 fiéis da igreja foram contaminados por apenas essa única pessoa.

Ainda na Coréia do Sul, um homem de 29 anos e contaminado com a covid-19, frequentou cerca de cinco (5) boates em um único final de semana na capital Seul, e após dançar e beber com várias pessoas nas boates em que passou, provocou um surto de covid-19 contaminando dezenas de pessoas, criando um evento denominado superespalhador. [2]



Figura 02 - O distanciamento social e a diminuição de contágios


Vários outros casos ocorridos também no Brasil podem ser relatados como exemplo de eventos superespalhadores, como os jogadores e a comissão técnica do Flamengo, que se contaminaram em viagem ao Equador durante a realização do torneio de futebol Libertadores da América no segundo semestre de 2020. Outro exemplo de ambiente superespalhador também ocorrido no Brasil, foi a posse do presidente do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2020, onde a maioria dos convidados e membros da corte foram contaminados, mesmo seguindo protocolos rígidos de segurança contra a covid-19. Neste caso se destaca a aglomeração de pessoas num ambiente fechado com ar condicionado. A cerimônia durou mais de três (3) horas e as pessoas ficaram confinadas num lugar fechado e sem ventilação natural, e mesmo com distanciamento e o uso de máscaras, houve um grande número de contágios entre os participantes devido ao efeito aerossol do vírus Sars_Cov-2, permitindo o contágio pelo ar e tornando o salão do STF num espaço superespalhador. O evento superespalhador mais famoso e que ficou conhecido mundialmente foi a cerimônia na Casa Branca, realizada em setembro de 2020 e que contaminou o presidente e candidato à reeleição dos EUA, Donald Trump. Já neste caso não houve a utilização de máscaras pelos participantes e nem tão pouco foi respeitado o distanciamento social. Mesmo sendo um evento realizado ao ar livre, se transformou assim num superespalhador da covid-19 em virtude das aglomerações.

Logo vemos que os chamados “Superspreaders” são eventos sociais capazes de potencializar a transmissão do vírus Sars-Cov-2. Se, por exemplo, numa cidade o índice de transmissão (Ro ou Rt) é alto e igual a 2 (Ro=2), significa que uma pessoa contaminada é capaz de transmitir o vírus para duas (2) outras pessoas. Mas no caso de um superespalhador, ele pode transmitir o vírus para 10, 50 ou 100 pessoas dependendo do contexto e não obedecendo a regra da constante de transmissibilidade Ro.

Qualquer ambiente onde ocorra aglomerações e não se respeitem as regras de distanciamento social, o uso de máscaras e a lavagem adequada das mãos, pode se transformar em um potencial evento superespalhador. Inclusive ambientes fechados e pouco arejados, mesmo com as prevenções adequadas, podem também se transformar em superespalhadores, como no exemplo da cerimônia de posse no STF em Brasília, onde vários convidados da cúpula do judiciário, que mesmo usando máscaras e seguindo os protocolos rígidos de segurança adotados naquele tribunal, se contaminaram, transformando o salão do STF num espaço superespalhador.

Não existe um ambiente em si mesmo que seja superespalhador, esses ambientes são criados pelo contexto da aglomeração, e que combinando com outras variáveis, bastando apenas a presença de um única pessoa positiva para a covid-19, faz então surgir o superespalhador e consequentemente potencializando os contágios.


Figura 03 - A - cadeia de contágios do coronavírus;  B - quebra da cadeia de contágios com o distanciamento social.


As academias de ginástica e as escolas de natação também podem se transformar em ambientes superespalhadores dentro de um contexto de pandemia no Brasil onde atualmente Rt >1. Estes ambientes são na sua grande maioria locais fechados com ar condicionado, com intensas aglomerações de alunos e constantes contatos (toques) manuais em aparelhos. Ressalta-se ainda a realização, por parte dos praticantes, de uma respiração intensa e ofegante, e que combinado com a alta taxa de sudorese, se tornam facilitadores de transmissões, levando risco aos professores e alunos. 

Mas, o que se observa atualmente, após as flexibilizações do isolamento social no mundo todo, é o cansaço e a desesperança de muitas pessoas com relação à pandemia. Aliada ao extremo cansaço e ao estresse da população em geral, existe também o descrédito dos políticos com relação à implantação de novas regras de isolamento social. O descaso das autoridades brasileiras frente à pandemia tem feito elevar os números de contágios e de óbitos nesta segunda onda da covid-19 no Brasil, no que podemos denominar de um verdadeiro extermínio de classe. Muitos dos protocolos planejados para as academias e escolas (incluímos aqui também as escolas de natação) em sua maioria não são colocados em prática durante as aulas, não funcionam ou não são eficazes no seu cotidiano. E mais uma vez, tanto no ambiente escolar quanto nas academias, a educação física está sendo colocada em xeque, não pelo vírus Sars-Cov-2, mas pelo total descaso das autoridades e pelo mercado insaciável do capital, que exclui os trabalhadores e alunos da educação física do direito à proteção e à saúde, impondo o desemprego e a fome àqueles que não tem opção em escolher entre a vida ou a morte dentro do contexto da super exploração do trabalho na pandemia.

 

 [1] https://exame.com/ciencia/o-superpoder-de-espalhar-covid-19-por-que-alguns-transmitem-mais-o-virus/

                             [2]  https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/05/13/interna_internacional,1146965/governo-investiga-quem-esteve-em-boate-contra-nova-onda-de-covid-19-n.shtml