No dia 05/10/2020 o chamado Centro de Prevenções
para Doenças (CDC) dos EUA divulgou em seu site (https://www.cdc.gov/) uma importante informação
sobre os novos mecanismos de transmissão do vírus Sars-Cov-2. Foi confirmado
pela comunidade científica internacional que a Covid-19 pode ser transmitida
pelo ar em ambientes fechados ou com ventilação inadequada, desde que a pessoa
contaminada pelo vírus esteja respirando profundamente dentro destes locais,
como por exemplo, se estiver cantando ou se exercitando. Esse tema já vinha
sendo discutido e debatido por médicos e cientistas em todo o mundo, mas
somente agora foi confirmada pela comunidade científica internacional.
Essa confirmação demonstra que o novo coronavirus
pode ser transmitido na forma de aerossóis, em pequenas partículas que ficam em
suspensão no ar por um período de tempo prolongado e em ambientes fechados.
Nestes casos a proteção por máscaras não funcionam, já que estes equipamentos
de proteção servem de barreira física apenas para gotículas “pesadas” que caem
perfazendo trajetórias balísticas rumo ao chão ou pequenas partículas que
contenham o vírus e que são atraídas para baixo pela gravidade, como por
exemplo, gotas de saliva expelidas pela boca de uma pessoa contaminada. Os
aerossóis que contém o vírus, ao contrário daquelas, são minipartículas que
“flutuam” no ar, que podem atravessar as camadas de proteção das máscaras e
assim entrar no sistema respiratório das pessoas que frequentam estes
mesmos ambientes fechados e sem ventilação (ver figura 01 abaixo). Os aerossóis
são partículas tão leves e minúsculas que podem levar o vírus a uma distância
até mesmo superior a dois (2) metros de distância. Mesmo que a pessoa infectada
já tenha saído daquele ambiente fechado, existe ainda a probabilidade de
contágio por terceiros que adentrem tais espaços num período de tempo posterior.
As partículas virais em suspensão no ar na forma de aerossóis podem ficar por
horas seguidas flutuando no ambiente, em recintos fechados e não arejados. Essa
nova informação prova que o vírus Sars-Cov-2 apresenta uma transmissão mais
alta e perigosa do que se pensava anteriormente. Essas evidências exigem a
tomada de maiores cuidados de proteção e na revisão dos protocolos de segurança
contra a Covid-19, principalmente no que concerne às aulas de natação ou de
educação física em geral.
Figura 01 - A propagação dos aerossóis pelo ar
Quando em ambientes fechados e sem ventilação
adequada o vírus Sars-Cov-2 pode se transformar em aerossóis e contaminar
pessoas mesmo que utilizem máscaras e ainda num raio superior a 2m de distância,
significando que no período de pandemia deve-se evitar salas e ambientes
fechados sem ventilação, pois os protocolos já conhecidos como a utilização de
máscaras e o distanciamento social não são eficazes nestas situações.
Figura 02 - Piscina construída em ambiente aberto
Figura 03 - Piscina construída em ambiente fechado
Essas novas evidências sobre o comportamento do
novo coronavirus colocam o mundo em alerta no que tange a assuntos sobre
regimentos e as regras atuais de proteção e combate à covid-19. No caso
de frequência de pessoas em escolas, universidades, escolas de natação e
em academias de ginástica, em que podem existir salas ou ambientes fechados e
sem ventilação, além da abertura destes locais terem que respeitar os
critérios de flexibilização para funcionamento que levem em consideração a
queda no número de contágios e no controle da pandemia na cidade ou país em
questão, devem ser revistos também as características arquitetônicas destas instituições,
a fim de se manter a segurança de seus frequentadores em relação ao contágio da
covid-19.
Na Figura 02 vemos uma piscina construída em espaço
aberto, que permite ventilação natural e contínua, diminuindo a probabilidade
de contágios pelo novo coronavírus, desde que mantidos todos os protocolos de
biossegurança e a observação das taxas (Rt <1) de crescimento da pandemia.
Já na Figura 03 acima temos uma piscina construída num ambiente fechado, o que
aumenta a probabilidade de contágios e da formação de aerossóis do novo
coronavírus a depender da quantidade de pessoas no seu interior e dos contatos.
Essa última arquitetura de piscinas não é recomendada para este atual momento
de pandemia. Recomenda-se aulas nestes ambientes apenas quando Rt < 1 e as
normas de biossegurança sejam seguidas. Todas as janelas dos ambientes de
piscinas fechadas devem sempre estar abertas para maior ventilação e
arejamento. Não se recomenda neste dado momento a utilização de piscinas em
ambientes fechados e com ar condicionado.
FIGURA 04 - A fluidodinâmica dos contágios pelo novo coronavírus: gotículas e aerossóis
Essas novas e preocupantes informações com relação
ao comportamento do novo coronavírus, e que vem sendo aos poucos descobertas e
reveladas publicamente pela comunidade científica internacional, colocam todos
os professores de educação física dentro de um novo contexto profissional, num
novo processo contínuo de reavaliação processual e metodológica, tendo que
repensar incessantemente a realização ou a não realização das suas práticas em
determinados ambientes e com determinados conteúdos, haja visto que vivemos um
momento de flexibilização total de todas as atividades, sem, no entanto, um
embasamento técnico-científico de segurança para abertura e funcionamento
principalmente de escolas e de academias de ginástica, ficando as tomadas de
decisões embasadas apenas em sugestões ou especulações de políticos ou de
empresários, que em sua maioria, não possuem conhecimento ou compromisso com as
questões de saúde pública, e colocando os lucros acima das vidas humanas.
Figura 05 - Espalhamento de partículas por aerossóis em ambientes fechados
Ao final de tudo, todas as decisões importantes
acabam caindo nas mãos dos professores de escolas ou de academias, decisões
sobre a vida e sobre a morte, em que pese a ausência total de políticas
públicas governamentais de mitigação dos contágios da covid-19 e de eficiência no
programa de vacinação. Assim sendo, tais decisões que deveriam ser coletivas e
pautadas na ciência e na saúde pública, terminam sendo decisões meramente reativas
e não pró-ativa, de tal modo que não é capaz
de antecipar e equipar as políticas públicas ao crescimento dos contágios e
óbitos pela covid-19. Daí os motivos que explicam o Brasil ocupar de forma
vergonhosa as primeiras posições de contágios e de óbitos pela covid-19 em todo
o mundo. De qualquer forma é aconselhável sempre o uso de máscaras em locais
públicos e a manutenção do distanciamento social.
Atualmente várias regiões do mundo vem
enfrentando uma forte terceira onda da pandemia do novo coronavírus, inclusive
o Brasil. Em quase todos os estados do Brasil, a ocupação de leitos para UTI’s
está novamente quase no limite de 100%, com indícios de colapso iminente do
sistema de saúde. A terceira onda de contágios é consequência da falta de
políticas públicas eficazes de prevenção e de mitigação dos contágios pelo
vírus Sars-Comv-2. As flexibilizações precoces e o lento processo de
vacinação no Brasil servem de estopim para o surgimento desta iminente
terceira onda da covid-19.
São vários os fatores envolvidos na
mecânica de contágios através do novo coronavirus, que vão desde a
amplitude da mobilidade humana, o distanciamento social, a frequência de aglomerações
de pessoas, a utilização ou não de máscaras, a velocidade da vacinação,
testagem em massa, a implementação de lockdown, o isolamento social, as
questões sócio-econômicas e a qualidade da chamada rede de atenção básica de
saúde aos doentes. Todos estes fatores estão correlacionados ao
porcentual de contágios e de óbitos numa determinada região. Essas variáveis
influenciam diretamente na velocidade de contágios e na dispersão da pandemia
no mundo. Entretanto, pesquisas realizadas pela Escola de Higiene e Medicina
Tropical de Londres (https://www.lshtm.ac.uk/) demonstram que cerca de
80% dos contágios da Covid-19 são transmitidos por cerca de apenas 10% dos
contaminados. Por trás destes números se escondem os chamados
“super spreaders”, palavra que traduzida para o português significa
“super espalhadores”, ou seja, existem certas pessoas e em determinados
ambientes que juntos são capazes de transmitirem o vírus numa escala muito
superior à média regional ou nacional de uma dada região ou país. O surgimento
dos “super spreaders” está relacionado à dinâmica de
propagação e de contágio do vírus Sars-Cov-2.
Um “super spreader” não é uma
pessoa, mas sim um conjunto de situações ou eventos sociais, que envolvem
muitas pessoas, ambientes específicos e o vírus Sars-Cov-2. A combinação de
certos locais, com aglomerações de pessoas e o vírus da covid-19, são os
ingredientes necessários e suficientes para o surgimento dos “super spreaders”,
ou seja, os ambientes ou eventos super espalhadores do novo coronavirus.
Na história recente da pandemia do novo
coronavirus, existem vários registros e confirmações de eventos
“super spreaders”. Um dos primeiros casos noticiados e documentados de ambientes
super espalhadores ocorreu na cidade de Washington nos EUA, onde 61 membros de
um coral se reuniram sem as medidas preventivas contra a covid-19, e um dos
integrantes do coral, presente no encontro, estava contaminado pelo novo
coronavirus, porém, era assintomático. Após a realização deste evento, 53
pessoas testaram positivas para a covid-19, 3 pessoas foram hospitalizadas e 2
morreram. [1]
Outro exemplo de evento super espalhador
ocorreu em uma igreja em Seul, capital da Coréia do Sul, onde uma mulher,
membra da igreja e que apresentava sintomas leves da covid-19, frequentou uma
reunião daquela igreja, onde todos os participantes tiraram as máscaras para a
realização de uma liturgia eclesiástica, e ao final daquela reunião, segundo
dados do próprio governo coreano, 43 fiéis da igreja foram contaminados por
apenas essa única pessoa.
Ainda na Coréia do Sul, um homem de 29
anos e contaminado com a covid-19, frequentou cerca de cinco (5) boates em um
único final de semana na capital Seul, e após dançar e beber com várias pessoas
nas boates por onde passou, provocou um surto de covid-19 contaminando dezenas
de pessoas, criando um evento denominado superespalhador. [2]
Figura 07 - O distanciamento social e a diminuição de contágios
Vários outros casos ocorridos também no
Brasil podem ser relatados como exemplo de eventos super espalhadores, como os
jogadores e a comissão técnica do Flamengo, que se contaminaram em viagem ao
Equador durante a realização do torneio de futebol Libertadores da América no
segundo semestre de 2020. Outro exemplo de ambiente super espalhador também
ocorrido no Brasil, foi a posse do presidente do Supremo Tribunal Federal em
setembro de 2020, onde a maioria dos convidados e membros da corte foram
contaminados, mesmo seguindo protocolos rígidos de segurança contra a covid-19.
Neste caso se destaca a aglomeração de pessoas num ambiente fechado com ar
condicionado. A cerimônia durou mais de três (3) horas e as pessoas ficaram
confinadas num lugar fechado e sem ventilação natural, e mesmo com
distanciamento e o uso de máscaras, houve um grande número de contágios entre
os participantes devido ao efeito aerossol do vírus Sars_Cov-2, permitindo o
contágio pelo ar e tornando o salão do STF num espaço super espalhador.
O evento super espalhador mais famoso e
que ficou conhecido mundialmente foi a cerimônia na Casa Branca, realizada em
setembro de 2020 e que contaminou o presidente e candidato à reeleição dos EUA,
Donald Trump. Já neste caso não houve a utilização de máscaras pelos
participantes e nem tão pouco foi respeitado o distanciamento social. Mesmo
sendo um evento realizado ao ar livre, se transformou assim num super espalhador
da covid-19 em virtude das intensas e constantes aglomerações naquele local.
Logo vemos que os chamados
“Super spreaders” são eventos sociais capazes de potencializar a transmissão do
vírus Sars-Cov-2. Se, por exemplo, numa cidade o índice de transmissão (Ro ou
Rt) é alto e igual a 2 (Ro=2), significa que uma pessoa contaminada é capaz de
transmitir o vírus para duas (2) outras pessoas. Mas no caso de um
super espalhador, ele pode transmitir o vírus para 10, 50 ou 100 pessoas
dependendo do contexto e não obedecendo a regra da constante de
transmissibilidade Ro.
Qualquer ambiente onde ocorram
aglomerações e não se respeitem as regras de distanciamento social e o uso
correto de máscaras, pode se transformar em um potencial evento
super espalhador. Inclusive ambientes fechados e pouco arejados, mesmo com as
prevenções adequadas, podem também se transformar em super espalhadores, como no
exemplo da cerimônia de posse no STF em Brasília.
Não existe um ambiente em si mesmo que
seja super espalhador, esses ambientes são criados pela dinâmica de transmissão
do vírus e também pelo contexto da aglomeração, e que combinados, bastando
apenas a presença de um única pessoa positiva para a covid-19, faz então surgir
o super espalhador e consequentemente potencializando os contágios.
Figura 08 - A - cadeia de contágios do coronavírus; B - quebra da cadeia de contágios com o distanciamento social.
As academias de ginástica, colégios e as escolas de natação também podem se transformar em ambientes super espalhadores, desde que os ingredientes citados acima estejam presentes. Estes ambientes são na sua grande maioria locais fechados com ar condicionado, com intensas aglomerações de alunos e funcionários. Ressalta-se ainda a realização, por parte dos praticantes, de uma respiração intensa e ofegante nestes ambientes, facilitando as transmissões virais, levando risco a todos os frequentadores destes espaços.
Vale destacar que a transmissão mais importante para a covid-19 se dá essencialmente pelo ar, ou seja, o contágio ocorre através das vias respiratórias, e as transmissões por superfícies ou por contato são quase impossíveis, segundo pesquisas recentes.
Muitos dos protocolos planejados para
as academias e escolas (incluímos aqui também as escolas de natação) em sua
maioria não são eficazes no cotidiano brasileiro onde constantemente o índice
de transmissão é maior do que 1 (Rt>1). Na data de hoje, na postagem deste
texto, segundo o Imperial College de Londres, o Rt no Brasil equivale a 1,02.
E mais uma vez, tanto no ambiente
escolar quanto nas academias, a educação física está sendo colocada em xeque,
não pelo vírus Sars-Cov-2, mas pelo total descaso das autoridades e pelo
mercado insaciável do capital, que exclui os trabalhadores e alunos da educação
física do direito e acesso universal à vacina, à proteção e à saúde, impondo o
desemprego e a fome àqueles que não tem opção em escolher entre a vida ou a morte
dentro do contexto da super exploração do trabalho na pandemia.
[1] https://exame.com/ciencia/o-superpoder-de-espalhar-covid-19-por-que-alguns-transmitem-mais-o-virus/