quarta-feira, 11 de agosto de 2021

A Educação Física e a Variante Delta: a vida após as olimpíadas


  (Escrito por: Renato Coelho)

 Neste início do segundo semestre de 2021 observamos o aumento da mobilidade humana com o fim das restrições e a abertura geral das escolas públicas em várias redes estaduais e municipais de educação em todo o país, com retorno às aulas presencias na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) após quase um ano e quatro meses fechadas em virtude da pandemia do novo coronavírus. O Brasil é de fato, um dos países do mundo, que mais tempo mantiveram as escolas e universidades fechadas em meio à pandemia, mantendo as aulas de baixíssima qualidade em forma remota no chamado EaD. Entretanto, cabe ressaltar também que o Brasil foi classificado como um dos piores países na gestão da pandemia, sem políticas públicas nacionais centralizadas de controle e de mitigação de contágios pelo vírus. Ou seja, caso as escolas e universidades fossem abertas anteriormente, a pandemia no Brasil estaria em um estágio mais caótico e ainda mais avançado em relação ao número de contaminados e de óbitos. Na verdade, nunca houve no Brasil a prática de medidas públicas sanitárias integradas de controle da pandemia, no que tange a testagem em massa, rastreamento, rapidez na vacinação e adoção de lockdown. O que assistimos foi a implementação de medidas paliativas e pragmáticas por governadores e prefeitos, também a omissão completa do governo federal no combate à pandemia.

 

O Trabalho faz mal à saúde, para tomar emprestado o título de um livro. De fato, trabalho é extermínio em massa ou genocídio. Direta ou indiretamente, o trabalho vai matar a maioria das pessoas que leem estas palavras. Entre 14 mil e 25 mil trabalhadores são mortos anualmente, neste país, no trabalho. Mais de dois milhões ficam inválidos. Vinte a 25 milhões se ferem todo ano. E essas cifras se baseiam numa cifra bastante conservadora do que constitui um acidente de trabalho. Portanto, ela não contabiliza o meio milhão de casos de doenças ocupacionais por ano. (BOB BLACK, 2021)

 

 Sabemos que o trabalho alienado no contexto do modo de produção capitalista aniquila não somente a alegria, a criatividade e as forças do trabalhador, mas também destrói a sua saúde e a própria vida ao provocar variadas epidemias de doenças psicossomáticas sobre a massa trabalhadora. O genocídio se dá dentro do mundo do trabalho capitalista, onde bilhões de trabalhadores em todo o mundo são submetidos ao trabalho precarizado (“uberização” do mundo do trabalho), ao desemprego e ao trabalho escravo. Sempre houve genocídio de trabalhadores, mesmo antes da pandemia, mas a pandemia do novo coronavírus veio acelerar este processo entre as classes mais pobres e excluídas em todas as partes do mundo. A pandemia, além de abreviar a vida de milhões de trabalhadores, também ajudou a descortinar, escancarar e potencializar o adoecimento e genocídio no mundo do trabalho, numa escala contínua e exponencial, mostrando a necessidade urgente pelo fim do modo de produção capitalista, que se baseia na destruição rapace da natureza e no aniquilamento da saúde e da vida humana. A destruição das florestas e de todos os biomas da Terra tem provocado desequilíbrios, a extinção de várias espécies, o surgimento de vírus desconhecidos e ainda o deslocamento de animais selvagens de seus habitats naturais para as zonas urbanas, aumentando a aproximação e o contato destes animais com grupos humanos, o que proporciona a multiplicação de novos contágios inéditos protagonizados por vírus letais.

 

Foto 01 – A destruição da Floresta Amazônica irá provocar o surgimento de novos vírus letais.

 

 A Variante Delta: a nova face da pandemia

Nestas primeiras semanas de agosto têm-se observado no Brasil uma diminuição relativa no número de óbitos e de contágios nas médias móveis, segundo os dados fornecidos pelo Boletim Observatório Covid-19 – semana epidemiológica 29 e 30 (FIOCRUZ, 2021). Porém, apesar da queda momentânea, têm-se verificado que as médias móveis de mortes e de contágios ainda permanecem em um patamar altíssimo, com cerca de 1.000 mortes diárias, constatando-se também uma alta na circulação do vírus em todas as regiões do país. O significativo decréscimo no número de contágios e de óbitos denotam dois fenômenos distintos: 1 - o alto número de óbitos e de contágios ocorridos entre os meses abril e maio de 2021, fez provocar a formação dos chamados “clusters” de proteção, ou seja, barreiras temporárias formadas por um grande número de pessoas imunizadas pelo contágio com o vírus (formação temporária de anticorpos); 2 – o Programa Nacional de Imunização (PNI) que em agosto atingiu a marca de mais de 100 milhões de pessoas vacinadas com a 1º dose da vacina (apenas cerca de 20% da população brasileira foi imunizada com as duas doses até as duas primeiras semanas de agosto).

Ainda segundo os dados da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, 2021), o índice de isolamento domiciliar e de mobilidade humana já atingiram neste mês de agosto valores idênticos ao período pré-pandemia (fevereiro de 2020), o que tende a aumentar mais a exposição da população ao vírus, com a retomada plena das atividades laborais e da abertura das escolas. Outro importante fator neste atual momento da pandemia no Brasil é o aumento da transmissão da variante Delta em várias regiões do país, e que fatalmente, somado com a lentidão no processo vacinal, irá provocar a chamada terceira onda de casos e de mortes por covid-19, onde ocorre uma explosão de contágios e óbitos com colapso nos sistemas de saúde.

  

O elevado patamar de risco de transmissão do vírus Sars-Cov-2 pode ser agravado pela maior transmissibilidade da variante Delta, em paralelo ao lento avanço da imunização entre grupos mais jovens e mais expostos, combinado com maior circulação de pessoas pela retomada das atividades de trabalho e educação. Nesse sentido, é importante refutar a ideia de que a vacinação protege integralmente as pessoas de serem infectadas e transmitir o vírus, o que pode se tornar um risco adicional com a nova variante de preocupação Delta.

A redução do impacto da pandemia de modo mais duradouro somente será alcançada com a intensificação da campanha de vacinação, a adequação das práticas de vigilância em saúde, reforço da atenção primária à saúde, além do amplo emprego de medidas de proteção individual, como as máscaras e distanciamento social. (FIOCRUZ, 2021).

  

Segundo pesquisas realizadas, a variante Delta, também chamada de B1.617.2 é uma mutação do coronavírus clássico de Wuhan, porém, com características genéticas e com uma dinâmica bastante distinta do vírus original. Segundo Novo (2021), a variante Delta possui cerca de 1260 vezes mais carga viral do que o vírus Sars-Cov-2 clássico de Wuhan, e ter uma carga viral tão alta assim, significa maior probabilidade de gerar infecção e maior transmissibilidade. Anteriormente, com as antigas mutações, uma pessoa contaminada com covid-19 era capaz de contaminar cerca de 2 ou três pessoas. Já com a nova variante Delta, uma única pessoa infectada pode chegar a transmitir o vírus para 5 ou 8 novas pessoas. Isso significa uma drástica mudança no chamado índice de transmissão do vírus (Rt), e que a partir de agora, passa a aumentar de forma assustadora. Além disso, a carga viral produzida pela variante Delta é tão alta, que muda também o conceito dos chamados ambientes super espalhadores (“super spreaders”), ou seja, o surgimento de ambientes super espalhadores passa a aumentar, se tornando cada vez mais comuns, mas com um agravante ainda pior, tais ambientes de super espalhamento do vírus podem ocorrer também ao ar livre, ou seja, devido à alta potência da carga viral transmitida a uma pessoa infectada, atividades ou encontros ao ar livre sem distanciamento e sem uso de máscaras podem potencializar os contágios.  A replicação viral dentro do organismo humano com a variante Delta passa a ser explosiva, ou seja, a alta carga viral é tão intensa e rápida que o indivíduo contaminado passa a transmitir o vírus para outras pessoas a partir do primeiro dia da sua contaminação, diferentemente das outras mutações virais do coronavírus que dentro do corpo humano demoravam vários dias para a inicialização dos contágios a outras pessoas. A alta transmissão viral com a variante Delta se dá no início da infecção, fazendo surgir assim uma transmissão rápida, silenciosa e prolongada. (NOVO, 2021).

 



Gráfico 01 – Comparação entre a carga viral da variante Delta e a variante Clássica de Wuhan (Fonte: Nius Diário – Madri - Espanha 2021)

 

Essa nova variante Delta demonstra que de fato não existe protocolo de biossegurança seguro o suficiente para conter os contágios e transmissões em ambientes de aglomerações como escolas, igrejas, academias, cinemas, teatros e coloca em xeque também os protocolos atuais sobre encontros e aglomerações em locais abertos ou ao ar livre. As aulas de Educação Física em quadras ou espaços abertos estão sendo também postas em xeque pela nova variante Delta. Uma quadra ou ginásio de esportes pode muito bem se transformar num ambiente super espalhador de covid-19. Assistimos recentemente que as denominadas “bolhas de proteção” contra a covid-19 nos esportes não funcionaram efetivamente. O primeiro exemplo foi a NBA, no bilionário campeonato de basquete masculino dos EUA, onde as instalações da Disneylândia foram utilizadas para criação da “bolha do basquete”, mas que foram “furadas” várias vezes por entregadores de pizzas e também por atletas. A Bolha construída e instalada em Saquarema, no litoral fluminense, pela Confederação Brasileira de Volei (CBV) não conseguiu evitar o contágio da comissão técnica, onde próprio treinador da seleção olímpica, Renan Dal Zoto, precisou ser intubado por complicações advindas da Covid-19. Os casos de covid-19 na Copa América 2021, onde o campus ESEFFEGO da UEG serviu de sede para a realização de vários jogos, não foram divulgados oficialmente pela Comenbol, a organizadora do evento. E por fim, a “bolha olímpica” de Tóquio computou mais de 340 pessoas contaminadas pela covid-19, entre atletas, comissão técnica, jornalistas e colaboradores locais.

Vê-se assim ser insana e irresponsável a proposta de abertura de escolas e universidades no Brasil em um período de plena e rápida expansão da variante Delta. As aulas presenciais irão aumentar os contágios, surtos e mortes por covid-19 no contexto atual do Brasil, e devido a isso as pressões políticas e econômicas devem ser rechaçadas e combatidas com argumentos científicos e por ações de resistência por familiares, alunos, professores e toda a comunidade escolar envolvida neste atual contexto da pandemia.


Foto 02 – Colégio privado em região nobre de Goiânia tem surto de covid-19 e suspende aulas.

 

Pesquisas realizadas pela USP (OLIVEIRA, 2021) mostram a reprovação de protocolos de biossegurança de escolas em cinco estados brasileiros, onde as aulas presenciais já foram iniciadas (Amazonas, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso). Segundo a pesquisa os protocolos necessitam de revisão e colocam em risco toda a população e não somente a comunidade escolar.

Uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento físico são medidas básicas para evitar a transmissão do coronavírus, mas somente elas não garantem a segurança na reabertura das escolas. Um levantamento com dados públicos de cinco estados sobre medidas para o retorno às aulas presenciais aponta falhas nos protocolos analisados, considerando o que a ciência já apontou como seguro para impedir a transmissão de coronavírus (como o uso de máscaras e o escalonamento no transporte até a testagem).

O resultado sinaliza risco de aumento de transmissão na reabertura das escolas, caso os protocolos não sejam revistos. (OLIVEIRA, 2021).

 



Gráfico 01 – Reprovação dos protocolos de biossegurança de escolas públicas no Brasil – as notas variam numa escala de 0 a 100 pontos. (Fonte: USP/G1.COM)

 

 

Projeto S: o cinturão de imunidade na cidade de Serrana-SP e o retorno seguro às aulas presencias 

 O chamado Projeto S, realizado pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana, localizada no interior de São Paulo, consistiu em um estudo clínico de efetividade da vacinação em massa, realizado de forma inédita no mundo, onde toda a população adulta da cidade de Serrana foi vacinada no primeiro semestre de 2021 com as duas doses da vacina Coronavac. Segundo os resultados obtidos, após este ensaio clínico, os casos sintomáticos de covid-19 despencaram 80%, as internações em 86% e as mortes em 95% após a aplicação da segunda dose da vacina. Um dado muito importante obtido através desta pesquisa na cidade de Serrana demonstrou que a vacinação além de proteger toda a população adulta vacinada com as duas doses, também foi capaz de proteger as crianças e os adolescentes menores de 18 anos residentes na cidade e que não receberam nenhuma dose da vacina. Segundo o Instituto Butantan, a redução de casos em pessoas que não receberam a vacina, demonstra a queda da circulação do vírus, indicando a vacinação como instrumento de saúde pública e não apenas individual.

 

O resultado mais importante foi entender que podemos controlar a pandemia mesmo sem vacinar toda a população. Quando atingida a cobertura de 70% a 75% a queda na incidência foi percebida até no grupo que ainda não tinha completado o esquema vacinal. (BUTANTAN, 2021)

 

Ainda, segundo as pesquisas realizadas pelo Butantan, observou-se na comparação da incidência da doença em Serrana com as cidades vizinhas, que mesmo tendo cerca de 10 mil moradores que moram em Serrana, mas que trabalham diariamente na cidade vizinha de Ribeirão Preto, as taxas de incidência se mantiveram baixas em virtude da vacinação em massa, enquanto Ribeirão Preto e as demais cidades da região apresentavam altos índices de casos e de óbitos durante o período analisado. Ou seja, provou-se que a vacinação em Serrana criou uma barreira de proteção coletiva, chamado de “cinturão imunológico”, que foi capaz de reduzir consideravelmente a transmissão do vírus dentro da cidade. Pesquisas similares a esta com vacinação em massa estão atualmente sendo realizadas pela Fiocruz na cidade de Botucatu-SP e também na favela da Maré na cidade do Rio de Janeiro com a utilização da vacina AstraZeneca.

Gráfico 02 – Queda acentuada nas taxas de contágios e de hospitalizações em Serrana após a vacinação em massa da população com a vacina coronavac.

 

A importância desta pesquisa é a demonstração da chamada imunidade coletiva através da vacinação em massa. No caso analisado, foi necessária uma cobertura vacinal em torno de 75% para atingir o chamado “cinturão imunológico” ou imunidade coletiva. Portanto, é falsa a tese de imunidade coletiva através de contágios pela covid-19 por grande parte da população, tal qual defende, de forma irresponsável, o Governo Federal. A chamada imunidade coletiva para um vírus altamente letal e que sofre contínuas mutações, como é o caso do novo coronavírus, somente pode ser alcançada através da vacinação em massa e não pela simples exposição da população ao vírus.

É importante ressaltar que o percentual para se atingir a imunidade coletiva, e que no caso de Serrana foi de 75% e com uso da vacina Coronavac, depende de vários fatores, dentre eles a eficácia da vacina e também do tipo de mutante do vírus circulante na população. No caso da variante Delta, como a sua carga viral produzida no corpo do indivíduo contaminado é 1260 vezes maior, e ela possui ainda uma escala de transmissibilidade muito alta (1 pessoa infectada é capaz de contaminar entre 5 a 8 novas pessoas), isto então significa que para o caso atual da pandemia no Brasil e com a multiplicação da variante Delta, tal percentual deverá ser muito maior, podendo atingir até valores superiores a 90% da população a ser vacinada a fim de alcançara  a imunidade coletiva, a depender também do tipo de vacina. Ou seja, quanto mais lenta a vacinação, maiores as chances de surgimento de mutações virais e criará também a necessidade de se vacinar maior parte da população em menor tempo possível, para se alcançar a imunidade coletiva.

Essa análise é fundamental para a compreensão sobre o retorno das aulas presencias nas escolas e nas universidades brasileiras. Analisando os dados, vê-se que o momento seguro para o retorno das aulas presencias requer a vacinação de no mínimo 75% da população adulta, até que se atinja a imunidade coletiva, que é quando a circulação do vírus em escala nacional sofrerá uma queda bastante acentuada. E esse percentual tende a aumentar com a lentidão programa nacional de vacinação e com o avanço exponencial da variante Delta em todo o território nacional.  O retorno das atividades presenciais em escolas e universidades após alcançada a imunidade coletiva, deve ainda ser acompanhado por testagem em massa, rastreamento de casos positivos, distanciamento social, uso de máscaras, escalonamento de turmas e horários, mudanças arquitetônicas nas instalações educacionais para melhor ventilação do ar, e ainda a modernização e distribuição equitativa de equipamentos computacionais e de internet para alunos, professores e funcionários das instituições educacionais para continuidade de ensino remoto de maior qualidade para implantação do chamado sistema híbrido (presencial + virtual). Vale a pena lembrar ainda que até o presente momento cerca de 20% da população total foi imunizada, ou seja, recebeu a segunda dose da vacina. O que torna distante o alcance da imunidade coletiva nacional e torna irreversível o surgimento de uma terceira onda a ser provocada pela variante de preocupação Delta.

 

Bibliografia

 

BLACK, BOB. Groucho Marxismo. São Paulo: Editora Veneta, 2021.

BUTANTAN. Projeto S: imunização em Serrana faz casos de covid-19 despencarem 80% e mortes, 95%. Disponível em: < https://butantan.gov.br/noticias/projeto-s-imunizacao-em-serrana-faz-casos-de-covid-19-despencarem-80-e-mortes-95>. Acesso em: 10/08/2021.

FIOCRUZ. Boletim Observatório Covid-19 – semana epidemiológica 29 e 30, de 18 a 31 de julho de 2021.

NOVO, I. F. Delta genera más supercontagios por la infección "silenciosa" y el crecimiento "explosivo" de la carga viral. Madrid: Nius Diario. Disponível em: <https://www.niusdiario.es/ciencia-y-tecnologia/ciencia/> Acesso em: 10/08/2021.

OLIVEIRA, E. Estados Apresentam Falhas nos Protocolos Para a Volta às Aulas, Aponta Pesquisa. G1 Educação. Disponível em: < https://g1.globo.com/educacao/volta-as-aulas/noticia/2021/06/22/>. Acesso em: 10/08/2021