(Escrito por Renato Coelho)
Atualmente, durante a pandemia do novo coronavirus neste mês de
outubro de 2020, o mundo vem batendo a
cada dia novos recordes de contágios, principalmente pelos novos surtos na
Europa com o surgimento iminente de uma forte segunda onda e o crescimento
vertiginoso de casos na Índia. São vários os fatores envolvidos na mecânica de
contágios através do novo coronavirus, que vão desde a amplitude da mobilidade humana, o
distanciamento social, a frequência de aglomerações de pessoas, a utilização de
máscaras, a higienização das mãos, a testagem em massa, o isolamento social, a
densidade demográfica, as questões sócio-econômicas, o tratamento hospitalar dos doentes e também questões culturais
que envolvem os contatos e interações interpessoais. Todos estes fatores estão correlacionados ao porcentual de
contágios e de óbitos numa determinada região. Essas variáveis influenciam
diretamente na velocidade de contágios e na dispersão da pandemia no mundo.
Entretanto, pesquisas realizadas pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de
Londres (https://www.lshtm.ac.uk/) demonstram
que cerca de 80% dos contágios da Covid-19 são transmitidos por cerca de apenas
10% dos contaminados. Por trás destes números se escondem os chamados “Superspreaders”, palavra que
traduzida para o português significa “Superespalhadores”, ou seja, existem
certas pessoas e determinados ambientes que juntos são capazes de transmitirem
o vírus numa escala muito superior à média regional ou nacional de uma dada
região ou país. O surgimento dos “Superspreaders”
está relacionado a questões biológicas
do indivíduo (carga viral que ele carrega) e também a questões geográficas e culturais.
Um “Superspreader” não é uma pessoa, mas sim um conjunto de situações ou evento social, que
envolvem muitas pessoas, ambientes específicos e o vírus Sars-Cov-2. A
combinação de certos locais, as aglomerações de pessoas e o vírus da covid-19, são os
ingredientes mais que suficientes para o surgimento dos “Superspreaders”, ou
seja, os ambientes super espalhadores do novo coronavirus.
Na história recente da pandemia
do novo coronavirus, existem vários registros e confirmações de eventos “Superspreaders”.
Um dos primeiros casos noticiados e documentados de ambientes Superespalhadores
ocorreu na cidade de Washington nos EUA, onde 61 membros de um coral se reuniram
sem as medidas preventivas contra a covid-19, entretanto, um dos integrantes do
coral presente no encontro estava contaminado pelo novo coronavirus, porém era
assintomático. Após a realização deste evento, 53 pessoas testaram positivas
para a covid-19, 3 pessoas foram hospitalizadas e 2 morreram.
Outro exemplo de eventos
superespalhadores ocorreu em uma igreja em Seul, capital da Coréia do Sul, onde
uma mulher, membra da igreja e que apresentava sintomas leves da covid-19, e
que por isso pensava apenas ser efeitos de um resfriado, frequentou uma reunião
de oração onde todos os participantes tiraram as máscaras para a realização da
liturgia da oração, e ao final daquela reunião, segundo dados do governo coreano, 43
fiéis da igreja foram contaminados por apenas uma única pessoa.
Vários outros casos ocorridos também no Brasil podem ser
relatados como exemplo de eventos superespalhadores, como os jogadores e a comissão técnica do Flamengo, que se
contaminaram em viagem ao Equador durante a realização do torneio de futebol Libertadores da América. Outro exemplo de ambiente superespalhador
foi a posse do presidente do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2020, onde
a maioria dos convidados e membros da corte foram contaminados, mesmo seguindo
protocolos rígidos de segurança contra a covid-19. Neste caso se destaca a
aglomeração de pessoas num ambiente fechado com ar condicionado. A cerimônia
durou mais de três (3) horas e as pessoas ficaram confinadas num lugar fechado
e sem ventilação natural, e mesmo com distanciamento e o uso de máscaras, houve
um grande número de contágios entre os participantes devido ao efeito aerossol do
vírus Sars_Cov-2, permitindo o contágio pelo ar e tornando o salão do STF num espaço
superespalhador. Outro exemplo superespalhador conhecido mundialmente foi a
cerimônia na Casa Branca em setembro que contaminou o presidente e candidato à
reeleição dos EUA, Donald Trump. Já neste caso não houve a utilização de
máscaras pelos participantes e nem tão pouco foi respeitado o distanciamento
social. Mesmo sendo um evento realizado ao ar livre, se transformou assim num
superespalhador da covid-19.
Logo vemos que os chamados “Superspreaders”
são eventos sociais capazes de potencializar a transmissão do vírus Sars-Cov-2.
Se por exemplo, numa cidade o índice de transmissão (Ro) é alto e igual a 2 (Ro=2),
significa que uma pessoa contaminada é capaz de transmitir o vírus para duas
(2) outras pessoas. Mas no caso de um superespalhador, ele pode transmitir o
vírus para 10, 50 ou 100 pessoas dependendo do contexto e não da constante de transmissibilidade Ro.
Qualquer ambiente onde ocorra
aglomerações e não se respeitem as regras de distanciamento, o uso de máscaras
e a lavagem adequada das mãos pode se transformar em um potencial evento
superespalhador. Inclusive ambientes fechados e pouco arejados, mesmo com as
prevenções adequadas, podem também se transformarem em superespalhadores, como
no exemplo da cerimônia de posse no STF em Brasília, onde vários convidados da
cúpula do judiciário, que mesmo usando máscaras e seguindo os protocolos rígidos de
segurança adotados naquele tribunal, se contaminaram, transformando o
salão do STF num espaço superespalhador.
Não existe um ambiente em si
mesmo que seja superespalhador, esses ambientes são criados pelo contexto da
aglomeração, e que combinando com várias variáveis, bastando apenas a presença
de um única pessoa positiva para a covid-19, faz então surgir o superespalhador
e consequentemente potencializando os contágios.
As escolas podem facilmente se transformarem
em ambientes superespalhadores, pois elas tem todos os ingredientes necessários
para a formação dos “superspreaders”. Por isso não se recomenda o retorno das
aulas presenciais sem a existência de uma vacinação eficaz, devendo-se manter o
ensino remoto com todas as suas limitações, a fim de se evitar novos contágios
e mortes.
As academias de ginástica também podem se transformar em ambientes superespalhadores, pois são na sua grande maioria locais fechados com ar condicionado, com intensas aglomerações de alunos e constantes contatos (toques) manuais em aparelhos. Ressalta-se ainda a realização de uma intensa e explosiva respiração pelos praticantes de exercícios nas academias, também a alta sudorese, fatores que conjugados se tornam facilitadores de transmissões, levando risco aos professores e alunos.
Mas que se observa atualmente, após as flexibilizações da quarentena, é que em
várias academias alunos usam máscaras de forma incorreta (talvez devido ao
grande calor e ao clima muito seco dos últimos meses) e ocorrem aglomerações entre
alunos nos intervalos de aulas. Ou seja, muitos dos protocolos planejados para
as academias em sua maioria não são colocados em prática durante as aulas ou
mesmo não funcionam para o cotidiano de funcionamento das academias. E mais uma
vez, tanto no ambiente escolar quanto para as academias, a educação física está sendo colocada em xeque, não pelo vírus Sars-Cov-2, mas pelo mercado insaciável do
capital, que exclui os trabalhadores do direito à saúde e impõe o desemprego e a fome àqueles que não tem opção em escolher entre a vida ou o a super exploração do trabalho alienado.