(Escrito por Renato Coelho)
No atual momento da pandemia no Brasil,
com mais de 622 mil mortes (sendo estes dados oficiais subnotificados), e
quando a pandemia ainda se encontra totalmente fora de controle, um tema vem
novamente ao debate: o retorno das aulas presenciais nas escolas do
país. Segundo dados da Organização Pan-Americana da
Saúde (OPAS), são cerca de 44 milhões de estudantes fora das escolas
somente no Brasil (OPAS, 2020). Ainda segundo dados da UNICEF são inúmeros os
problemas mentais e psicológicos que podem afetar as crianças devido ao tempo prolongado
de fechamento das escolas:
O
fechamento das escolas tem impactos profundos na vida de crianças e
adolescentes. Com o início da pandemia no Brasil, em março, estima-se que 44
milhões de estudantes ficaram longe das salas de aula. Tendo em vista as
diferentes realidades brasileiras, as opções de atividades para a continuidade
das aprendizagens em casa não estão se dando de forma igual para todos. Manter
as escolas fechadas por muito tempo pode agravar ainda mais as desigualdades de
aprendizagem no país, impactando em especial meninas e meninos em situação de
vulnerabilidade (Bauer, F. apud OPAS (2020))
Sabe-se, no entanto, que a retomada das
aulas presenciais, sejam em escolas, creches ou universidades depende
exclusivamente do controle da pandemia no país, a fim de garantir a segurança
do convívio entre alunos, professores e todos os familiares envolvidos. São
evidentes os vários problemas psicológicos, emocionais e que também afetam o
desenvolvimento das crianças e jovens pelo fato das escolas ainda estarem
fechadas, porém, uma atitude irresponsável e insana seria autorizar o reinício
das atividades presenciais em escolas no ápice de uma terceira onda da covid-19
no Brasil e agravado por uma nova mutação do vírus Sars-Cov-2, denominada
Ômicron, detectada primeiramente na África do Sul, mas que já possui
transmissão comunitária em praticamente todo o território nacional, e já representa
cerca de100% das testagens genômicas no país. A transmissibilidade é cerca de
dez (10) vezes maior que as cepas anteriores e representa alto risco para a população
não vacinada, como é o caso específico das crianças em idade escolar.
É importante destacarmos, que antes
mesmo de se iniciar a discussão sobre o retorno das aulas
presenciais no Brasil, se torna ainda mais urgente e
imprescindível para toda a sociedade, o debate pleno e aberto sobre
a realidade do (des)controle da pandemia em todas as regiões do país, ou seja, o
retorno das aulas presenciais deve estar correlacionado ao controle eficaz da
pandemia, saber onde está o vírus dentro de cada região e cidades do território
nacional, possuir mecanismos para mitigar surtos e novos contágios, promoção e
aceleração da vacinação infantil, estratégias de realização de testagem em
massa e a universalização do atendimento hospitalar aos infectados. Porém, não
é o que se observa atualmente no país, ao contrário, observamos uma obsessão
pelo retorno imediato das aulas presenciais nas escolas brasileiras e pelas
flexibilizações das regras de isolamento social, pressão essa reproduzida pelos
secretários municipais e estaduais de educação, e cuja origem reside nos
interesses comerciais e financeiros dos grandes proprietários de escolas
privadas, que tiveram seus lucros subtraídos com a pandemia e que
agora pressionam os gestores públicos para a reabertura de todas as escolas,
públicas e privadas ao mesmo tempo, independente dos estudos dos índices de
transmissão do vírus sars-Cov-2 nas cidades, demonstrando assim, que a pandemia
no Brasil (e no mundo todo) se transformou num verdadeiro extermínio de classe,
onde os impactos e mortes atingem de forma desproporcional e seletiva as
classes mais pobres que não possuem acesso a assistência médico hospitalar de
qualidade.
É notória a importância das escolas no
desenvolvimento e na aprendizagem de crianças, jovens e adolescentes. As
atividades coletivas, as tarefas em grupo e as aglomerações infantis
potencializam o desenvolvimento das chamadas funções psicológicas superiores
nas crianças, como a memória, o raciocínio, a linguagem e a escrita. Porém, com
o início da pandemia do novo coronavírus, a partir do primeiro semestre de
2020, as aulas presenciais em escolas e universidades em todo o país foram
suspensas como medida de mitigação de novos contágios pelo vírus Sars-Cov-2. As
aglomerações humanas são as principais causas de contágios da covid-19, e as
escolas e as universidades possuem uma dinâmica pedagógica e também uma
arquitetura própria que tem como objetivo promover e incentivar as
aglomerações, já que as atividades em grupo são facilitadores da aprendizagem.
A começar pela arquitetura das salas de aula com dezenas de carteiras
organizadas em filas paralelas ou em círculos, a organização do pátio e as
atividades do recreio são planejadas em função das interações e aglomerações
das crianças, a fim de permitir maior interação e sociabilidade. Podemos ainda
citar os restaurantes e os banheiros coletivos de escolas que também possuem
uma arquitetura que favorece as interações humanas. Entretanto, devido à voraz
dinâmica de contágios do vírus Sars-Cov-2, mesmo com o início da Campanha
Nacional de Imunização (vacinação) no Brasil, mudanças estruturais profundas
deverão ser realizadas dentro da educação escolar em todos os níveis e também
na educação superior para a mitigação de novos contágios de Covid-19 e de suas
variantes futuras. As mudanças necessárias serão não apenas referentes ao
número de alunos por sala, mas também com mudanças estruturais que vão desde a
arquitetura das escolas, na dinâmica de horários de funcionamento das aulas, na
contratação de novos professores (concursos públicos), maiores investimentos na
infraestrutura das escolas como acesso à internet, saneamento, ampliação de
salas e na construção de banheiros, quadras, jardins e maiores áreas de lazer e
de recreação.
Segundo Tokarnia (2020), em relação às
condições atuais das escolas no Brasil em tempos de pandemia, apenas 46,7%
possuem saneamento básico, ou seja, mais da metade das escolas do país não
possui tratamento de esgoto, água encanada ou coleta de resíduos sólidos.
Dentro desta pesquisa apenas 30% das escolas públicas e privadas no Brasil
possuem áreas verdes, quadras e áreas de lazer.
Quando se fala sobre o quesito
infraestrutura escolar, segundo o Censo Escolar 2017, nas escolas de ensino
fundamental no Brasil apenas 65,8% das escolas públicas possuem água encanada
(água potável), 46,8% possuem laboratório de informática, 65,6% têm acesso à
internet e nas escolas de educação infantil apenas 61,1% possuem banheiro
adequado à sua faixa etária. No que se refere às creches, apenas 57,6% possuem
parque infantil e para a pré-escola essa porcentagem cai para 42,7%, e menos de
30% das creches e das pré-escolas possuem áreas verdes (MARTINS, 2018).
Essa realidade escolar brasileira é um
entrave para a reabertura das escolas e para a flexibilização das atividades de
aulas presenciais. Considerando tal contexto em que se insere a maioria das
escolas no país, com destaque para a total falta de infraestrutura dos espaços
escolares, haverá a potencialização de novos contágios e de óbitos na
reabertura de escolas ou creches durante o período atual de crescimento da
segunda onda no país, com altos índices de transmissão do vírus (Rt>1),
provocando um aumento expressivo de contaminações e mortes por covid-19 entre
os escolares e os seus familiares, agravando mais a espantosa realidade atual dos
números da pandemia no Brasil.
Por que não se deve iniciar as aulas
presenciais atualmente no Brasil com a variante Ômicron?
Segundo dados do Centers for Disease
Control and Prevention (CDC - https://www.cdc.gov/) sediado nos EUA, a retomada
das atividades escolares na forma presencial somente deve ser recomendada
quando o índice de transmissão do novo coronavírus estiver abaixo de 50 casos
positivos novos (por dia) para cada um milhão de habitantes, pois essa taxa
significa que o risco de transmissão do vírus seria baixo para um ambiente
escolar e demonstrando também que a pandemia estaria realmente sob controle
numa dada região que apresente estes números. Além disso, para a reabertura das
escolas de forma segura, seria também necessário um decréscimo contínuo de no
mínimo 4 semanas consecutivas nos índices de contágios e de óbitos numa
determinada localidade ou município. Os leitos hospitalares de UTI´s para
covid-19 também devem possuir um percentual baixo de ocupação (abaixo de 70%).
Vemos assim que nenhuma cidade ou estado do Brasil se enquadraria nestes
critérios mínimos de segurança para reabertura de escolas neste início de 2022,
no contexto atual da Ômicron. Soma-se a esses dados da pandemia o alto estágio
de precarização e de sucateamento em que se encontram atualmente as escolas e creches
públicas do país, que não possuem condições mínimas em promover a higiene e
distanciamento dos alunos para prevenção de novos contágios. Portanto, o forte
apelo para o retorno imediato das aulas deveria ser substituído pelo debate
sobre maiores investimentos nas escolas, ampliação do número de salas de aulas,
saneamento e instalação de água potável nas escolas, ampliação da oferta de
internet gratuita aos estudantes, realização de novos concursos públicos para
docentes e o fornecimento de auxílio financeiro às famílias dos estudantes de
escolas públicas durante o período da pandemia.
Por que não se recomenda o retorno das
aulas presenciais hoje?
No mundo moderno, as escolas são
ambientes complexos e locais de aglomerações de pessoas. São espaços singulares
e cuja dinâmica espacial e temporal segue uma lógica fordista de funcionamento,
com crianças em filas, carteiras enfileiradas, corredores e salas dispostos
também de forma linear imitando um ambiente de produção fabril. O advento da
pandemia do vírus Sars-Cov-2 colocou em xeque a retomada das aulas presenciais
nas escolas e obrigou a continuidade das mesmas no chamado Ensino à Distância
(EaD), com todos os seus problemas e limitações, como a exclusão e
deficiências das aulas virtuais.
Segundo uma recente pesquisa realizada
pela Universidade de Granada (UGR) na Espanha sobre a retomada das aulas
presenciais naquele país, que nos trazem números e fatos importantes sobre as
relações entre a dinâmica de interações das escolas e o comportamento do vírus
Sars-Cov-2 (ARROYO, 2020).
Segundo os pesquisadores da
Universidade de Granada, considerando a realidade espanhola, de uma sala de
aula com vinte (20) crianças, considerando que a família destas crianças
escolares é constituída pelo pai, mãe com um (1) ou dois (2) filhos (nesta
simulação do cálculo considera-se que metade dos alunos tenham um irmão que
também estuda na mesma escola e a outra metade é composta por crianças
consideradas “filho único”). Ao se considerar todos os contatos realizados por
uma única criança, apenas no seu primeiro dia de aula, e sem considerar os
contatos externos à escola (rua, mercado, ônibus, etc.) será contabilizado 74
contatos com outras pessoas da escola, ou seja, cada criança da escola será
exposta a outras 74 pessoas no seu primeiro dia de aula, considerado apenas os
contatos exclusivos com sujeitos da sala de aula e da família (ver
Figura 01 abaixo).
Figura 01 – Esquema do número total de contatos entre alunos de uma mesma escola.
Para o segundo dia de aula,
desconsiderando as regras de distanciamento social, os contatos sobem para 808
interações para cada aluno da classe. Já para o terceiro dia as interações
serão de 15.000 para cada aluno. Os números comprovam o grande risco de uma
criança da sala estiver infectada com a Covid-19, elevando o grau de
contaminação para toda a escola. A partir daí, pode-se ter uma noção dos riscos
em se abrir as escolas em período de pandemia, pois é colocado em risco nesta
situação, não somente a saúde mental das crianças ou o seu futuro
desenvolvimento, mas acima de tudo a própria vida da criança é colocada em
risco, principalmente em um retorno às aulas presenciais num momento de alta de
casos e de contágios, e ainda com um retorno de forma pragmática e sem
planejamento como estamos presenciando.
Tabela 01 – Número de interações entre alunos durante os primeiros dias de aulas presenciais na escola
Imaginemos então como se daria a
replicação destes contatos diários nas escolas brasileiras, onde a massificação
de turmas, com médias superiores a 40 alunos por sala, a falta de professores
concursados, salas pequenas e com pouca ventilação, banheiros inadequados e sem
água potável em muitas escolas do país. Obviamente que as escolas se tornariam
assim espaços ou eventos denominados de super-espalhadores, com potencial
aumento de surtos e de contágios pelo novo coronavírus entre a sociedade.
Mesmo havendo o uso de máscaras e com
as regras de distanciamento social dentro das escolas, não é recomendado o
retorno das aulas presenciais quando houver alta de contágios numa cidade,
região ou país (Rt>1), pois todos os protocolos de biossegurança neste
contexto se tornam ineficazes. Quando se vivencia um momento de alta de
contágios e de óbitos, não há outra alternativa, a não ser o isolamento social
e a suspensão completa das aulas presenciais. A sugestão é priorizar a vida dos
escolares e não as aulas em si, pois o retorno seguro das aulas presenciais no
Brasil se dará somente após a efetivação da Campanha Nacional de Imunização para
todas as crianças (vacinação), já que não temos políticas públicas de mitigação
de contágios como testagem em massa, rastreamento de novos conatos, ampliação
de leitos de UTI’s e de atendimento médico hospitalar de qualidade para toda a
população.
O que fazer com as crianças dentro de casa com o fechamento das escolas? Como promover o desenvolvimento infantil?
Atualmente as crianças estão sendo uma
das maiores vítimas da pandemia da Covid-19 em todo o mundo. Talvez sejam as
que mais estão sendo afetadas pelas regras de isolamento social decretada por
diversos países ao redor do planeta, já que as crianças constituem o grupo que
mais tempo tem experimentado o confinamento de forma contínua em casa, haja
visto o fechamento de escolas e creches há quase um ano. Não há dúvidas que
para a maioria das crianças, o isolamento social afeta drasticamente o seu
desenvolvimento motor, cognitivo e social, já que as interações e os
relacionamentos coletivos nesta faixa etária são primordiais para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores da mente.
Várias escolas e creches de vários países distintos ensaiaram o retorno às aulas presenciais, mas devido ao alto número de surtos e contágios pelo novo coronavírus e de suas mutações mais transmissíveis e contagiosas, tais escolas fecharam novamente os seus portões, seja na Europa, Ásia, Oceania, África ou na América. O retorno às aulas presenciais no atual momento da pandemia no Brasil se torna algo totalmente impossível, sejam quais forem os protocolos de segurança sanitária, pois as novas variantes do vírus são cerca de dez (10) vezes mais contagiosas, tornando inevitáveis surtos entre crianças escolares, pois as escolas são por natureza ambientes de aglomerações.
No caso específico da cidade de
Goiânia, que atualmente experimenta terceira onda com índice de transmissão
superior a um (01) Rt>1, e com previsões de pico de contágios provavelmente
para os meses de fevereiro de 2022, o recomendado neste contexto é ainda o
isolamento social e a adoção somente de aulas virtuais (on-line), ao contrário
do que diz em as autoridades locais que estão permitindo a abertura de escolas 100% presenciais.
Neste momento tão complexo, difícil e
delicado, sugerimos alternativas para a promoção de um estilo de vida mais
saudável e humanizado para as crianças durante a pandemia. Ainda que as
crianças estejam em aulas remotas e sem aulas presencias, é possível criar uma
rotina saudável, lúdica e humanizada para as crianças em tempos de isolamento
social na pandemia.
Uma das principais considerações e
argumentos para a manutenção das aulas presencias para as crianças na pandemia,
diz respeito ao atraso no desenvolvimento infantil, e podendo produzir sequelas
no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças. Porém, o que os defensores
desta tese desconsideram, são as sequelas ainda piores e mais agressivas
provocadas pela covid-19 em crianças, ou seja, as síndromes pós covid-19, além
de graves e duradouras, sejam em crianças ou em adultos, possui um outro
importante agravante, tais sequelas e síndromes são totalmente desconhecidas a
longo prazo, podendo gerar doenças crônicas, ou seja, que até o presente
momento não possuindo cura pela medicina. Portanto, colocando tudo na balança,
é notório que ser contaminado por covid-19 pode acarretar danos e problemas
maiores do que aqueles provocados pelo isolamento social em si e pela ausência
às aulas presenciais. A verdade é que os problemas relacionados ao retardo no
desenvolvimento ou na aprendizagem podem ser sanados e recuperados a curto ou
médio prazos, porém, as sequelas e os danos da covid-19 ainda são uma grande
incógnita e a ciência ou a medicina não podem garantir nada sobre este tema
novo e recente relacionado às consequências da covid-19 a longo prazo na
infância.
A sugestão é não levar as crianças às
aulas presenciais nas escolas, e sim criar atividades lúdicas em casa a fim de
provocar um desenvolvimento infantil capaz de amenizar os danos provocados pelo
isolamento social intermitente. Obviamente que nada substitui as interações
sociais entre as crianças e é sabido por todos a péssima qualidade e exclusão
das aulas remostas (EaD), porém, as ações lúdicas sugeridas para as crianças se
refere ao período atual da pandemia. A nossa proposta é baseada na Teoria Histórico Cultural de Vigotski sobre
o lúdico e a infância. Seja em casa, no quintal, na praça, na rua ou nos
parques infantis, estes são ambientes mais seguros do que as escolas para as
crianças, desde que as visitas a estes ambientes estejam autorizados pelas autoridades
sanitárias e que sejam escolhidos horários com menor fluxo de pessoas, e também
mantendo os contatos somente com sujeitos da mesma família, com o uso de
mácaras, álcool em gel e com distanciamento social (sem aglomerações). As
escolas são projetadas em função das aglomerações, e por natureza são ambientes
de múltiplos contatos, e que em tempos de pandemia podem propiciar novos surtos
e acelerar os contágios.
Em Goiânia, somente no nesta segunda
quinzena de janeiro de 2022, mais de 200 escolas municipais ligadas à Secretaria
Municipal de Goiânia (SME) tiveram que ser fechadas devido a surtos de covid-19
provocados pela variante Ômicron, que é mais transmissível do que o sarampo. Goiânia
foi a primeira capital do país a abrir as escolas em regime presencial, o
início das aulas foi no dia 17 de janeiro de 2022, e em pleno pico de contágios
provocados pela super onda da variante Ômicron, com mais de 180 mil contágios/dia,
demonstrando a atitude irresponsável e insana dos gestores públicos em Goiás. A
falta de professores nas escolas devido a contágios por covid-19 tem provocado
a suspensão de aulas e o fechanto de escolas inteiras. Prova-se assim, que
escola não é lugar seguro em tempos de pandemia, muito ao contrário, a abertura
deve respeitar as leis e diretrizes a da ciência epidemiológica.
A Criança, o Brincar e a Teoria
Histórico Cultural
O enfoque histórico-cultural se fundamenta
essencialmente no fato de que o desenvolvimento psicológico humano é um
processo complexo, cujas origens se encontram nas condições e organizações do
contexto social e cultural, construídos ao longo das vivências do indivíduo.
A análise histórico-cultural elaborada
por Vygotski foi altamente influenciada pelas concepções do materialismo
histórico dialético de Marx e Engels, de onde ele extraiu os conceitos sobre
atividade, mediação semiótica e a ideia central de que o ser social determina a
consciência social.
Vygotski considerava ainda a dupla dimensão do ser humano, sujeito e
sujeitado, dando grande importância à participação do outro no processo de
significação e constituição do sujeito, sem negar a efetiva participação do Eu,
social e historicamente produzido. (ZANELLA e ANDRADA, 2002, p.127).
Vygotski lutou durante toda a vida para
mudar todo o paradigma de sua época, ao explicar que o psíquico humano não era
apenas algo inerente ao desenvolvimento biológico, era na verdade uma realidade
complexa e dinâmica entre o biológico, o social e o cultural.
Vigotski esclarece que o desenvolvimento é um processo dialético,
marcado por etapas qualitativamente diferentes determinadas pela atividade
mediada, justamente o que o promove. Via atividade o homem (entendido enquanto
sujeito genérico) é capaz de transformar sua própria história e a história da
humanidade, posto que por seu intermédio transforma o contexto social em que se
insere e ao mesmo tempo se transforma. (ZANELLA E ANDRADA, 2002, p.128)
Para Vygotski o desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores não são idênticos, nem redutíveis aos
fatores que explicam os processos psicológicos elementares, com os quais estão
relacionados os processos de desenvolvimento natural. Os processos psicológicos
superiores se firmam a partir da participação dos sujeitos em atividades
sociais valendo-se de instrumentos de mediação.
O ensino deve servir então como
elemento inerente aos processos de desenvolvimento da criança. E é durante tal
desenvolvimento dessas relações organizadas que evoluem as funções psíquicas
superiores da criança.
A partir da compreensão de que o bom
ensino deve operar sobre as conquistas de desenvolvimento ainda em aquisição e
adquiridas com auxílio do outro, surge o conceito de desenvolvido por Vygotski
de Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI):
A distância entre o nível evolutivo real determinado pela resolução
independente do problema e o nível de desenvolvimento potencial determinado
pela resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração
com os colegas mais capazes. (VYGOTSKY, 1998, p.86).
Este é um dos conceitos centrais da
teoria de Vygotski, é a chamada zona de desenvolvimento iminente, que é a
distância que existe entre o que a criança sabe fazer sozinha e o que pode
fazer com a ajuda do outro.
As atividades quando inseridas dentro
da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI) permitem trabalhar sobre as funções
ainda em desenvolvimento, que não foram plenamente consolidadas, criando uma
estreita conexão entre aprendizagem e desenvolvimento, contribuindo para a
formulação de indicadores didáticos e avaliativos para o desenvolvimento
infantil, quando favorecido pela construção de um cenário de aula que considere
o contexto sócio-histórico dos alunos.
As teorias de Vygotski se tornam
fundamentais para a compreensão e o resgate do valor e importância do jogo e do
brinquedo. A contribuição principal de Vygotski sobre o jogo ou o brinquedo, é
a sua valorização, acrescida pela estreita relação que este autor estabelece
entre o jogo e a aprendizagem.
Uma das situações que se apresentam como importantes para a análise do
processo de constituição do sujeito é a brincadeira infantil. Rompendo com a
visão tradicional de que a brincadeira é a atividade natural de satisfação de
instintos infantis, Vygotski apresenta o brincar como atividade em que tanto
significados sociais e historicamente produzidos são veiculados quanto novos
podem ali emergir. (ZANELLA e ANDRADA, 2002, P.128).
As intenções e ações lúdicas no jogo
possibilitam a criação da Zona de Desenvolvimento Iminente (ZDI), promovendo a
internalização do real e o desenvolvimento cognitivo.
Logo, o brincar da criança passa a ser
uma transformação criadora, ela também tem a possibilidade de criar, mesmo sob
diferentes escalas, mas cria a partir do que conhece e das oportunidades
oferecidas, dentro de suas próprias necessidades e preferências. Dentro do jogo
resgata-se na criança sua posição de sujeito histórico e social, pois ela cria,
ela imagina, ela pode participar ativamente do processo lúdico.
[...] a criança vê um objeto,
mas age de maneira diferente em relação ao que vê. Assim, é alcançada uma
condição em que começa a agir independentemente daquilo que vê. (VYGOTSKI, 1998,
p. 127).
Portanto, os jogos e brincadeiras
possuem papel fundamental para a formação da plasticidade cerebral através de
processos criativos, que irão transformar qualitativamente as funções
cerebrais.
Considerações Finais
O resgate dos elementos lúdicos através
de atividades de jogos e de brincadeiras é de fundamental importância para o
desenvolvimento pleno das crianças. O brincar é essencial para o
desenvolvimento e para a vida da criança. A sociabilidade e a aprendizagem
realizada de forma coletiva permitem a criação da Zona de Desenvolvimento
Iminente (ZDI), onde os jogos e brincadeiras se constituem em elementos
fundamentais para este processo de ensino e aprendizagem na infância. Portanto,
mesmo em tempos de pandemia, sem as aulas presenciais em escolas ou creches, é
possível a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem infantil, onde o outro
que brinca com a criança pode também ser o pai, a mãe, irmãos, ou seja, todos
os indivíduos do seu lar ou mesmo grupo familiar. Vemos assim que as aulas presenciais
nas escolas poderão ser postergadas até que se garanta completa segurança para
o retorno das crianças, sendo substituídas por atividades lúdicas em casa e
junto com os familiares. A atual pressão obstinada pelo retorno imediato à
aulas presenciais por determinados grupos, visam apenas atender aos interesses
de empresas da área educacional e também de donos de escolas particulares que
colocam os lucros acima da vida dos alunos. Assistimos atualmente em pleno
ápice da pandemia, a tentativa insana da imposição de uma normalidade
impossível, e o funcionamento das escolas na forma presencial, visam apenas a
criação deste falso normal para a manutenção e continuidade da reprodução do
capital, ao custo da saúde e da vida dos trabalhadores e dos filhos dos
trabalhadores, caracterizando assim um verdadeiro extermínio de classe.
Evidencia-se assim a urgência na superação deste atual modelo de mundo pautado
na exploração, na exclusão, no individualismo e na destruição da natureza.
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crianças numa sala de aula implica em 808 contatos cruzados em dois dias,
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TOKARNIA, M. Quase metade das escolas não tem todos os itens de
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