terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Entrevista com uma Professora de Natação na Pandemia: riscos e temores

 



(Por Renato Coelho)


A entrevista abaixo foi realizada em setembro de 2020, de forma remota e através de um aplicativo de mensagens e por e-mails, com uma professora de natação e ex-aluna (egressa) do curso de licenciatura em Educação Física da UEG - ESEFFEGO, e que atualmente ministra aulas de natação em uma academia privada da capital goiana. Ela relata as suas experiências e os temores em estar lecionando natação de forma presencial em Goiânia num momento  crítico da primeira onda da pandemia e marcada pelo aumento de contágios e de óbitos na cidade provocados pelo novo coronavirus. O nome da professora e o local de trabalho não serão revelados a fim de conservar o anonimato e a privacidade da entrevistada.

 

1.    Após a sua formação em licenciatura na Eseffego, quais as demais formações adquiridas neste período?

Tive que fazer a complementação em bacharelado para arrumar um emprego. Depois fiz uma especialização em metodologias da Educação Física e atualmente faço mestrado.

 

2.    Em quais estabelecimentos de ensino você trabalha atualmente?

Academia. Como professora de natação

 

3.    Durante o período em que vigorou o decreto estadual de suspensão das atividades econômicas no primeiro semestre de 2020, você continuou trabalhando na sua área de educação física? Durante esse período você recebeu o salário de forma integral?

Fiquei com o contrato suspenso do mês de março a meados de agosto, sem trabalhar, porém, recebendo auxílio de suspensão de contrato do governo por ter carteira assinada. Porém, muita gente foi demitida! Esse auxilio era de um salário mínimo (inferior ao meu salário integral).

 

4.    Como está sendo realizado o seu trabalho atualmente após as flexibilizações das medidas de isolamento? Seu trabalho é presencial ou remoto?

Voltei a trabalhar presencialmente. Está sendo bastante arriscado, pois na natação não é possível aderir às medidas de segurança.

 

5.    Quais as dificuldades e temores em estar trabalhando na área de educação física em Goiânia num momento em que os índices de contágios e de óbitos estão muito elevados?

O medo é diário. Muito contato com alunos que tem contato com outras pessoas. Vários alunos já se afastaram da academia por estarem com o covid, então provavelmente frequentaram as aulas no inicio do contágio. Isso me deixa muito assustada.

 

6.    É possível dar aulas de educação física com segurança no atual momento da pandemia em Goiânia?

Não! É ilusória e totalmente mercadológica essa ideia de academia como algo essencial. Academias são lugares propensos a altos índices de contágios.

 

7.    Qual será o futuro da educação física na sua opinião no mundo com o vírus Sars-Cov-2 ?

Eu ainda não consigo imaginar, mas sei que passaremos por muitas mudanças (já estamos passando).

 

8.    A pandemia fez aumentar a precarização do seu trabalho em educação física?

Sim! Além do medo de estar atuando nesse atual momento, reduções de carga horária que resultaram em redução salarial, fizeram com que essa precarização aumentasse.

 

9.    Você acha que as aulas nas escolas públicas deveriam retornar ainda neste ano? Seria possível dar aulas de educação física nas escolas no atual contexto do Brasil?

Não! Principalmente em escolas públicas. Não concordo que as aulas voltem esse ano!

 

10.                   Como repensar a educação física para este novo século XXI, que está sendo inaugurado agora pelo novo coronavirus?

Como ainda é uma realidade muito nova, não consigo pensar em possibilidades. Mas sei que precisamos de ajustes para que possamos trabalhar com segurança. Professores de academia tem se arriscado bastante.

 

11.       Como está a sua saúde (física e emocional) neste período de trabalho na pandemia?

Já estava bastante desanimada com a área, e esse período me fez desanimar mais ainda. Não sinto motivação para o meu trabalho e não me sinto apta a exercer o trabalho da forma que venho exercendo 



quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Natação e o Novo Coronavírus: não é aconselhável a prática de natação após a infecção por Covid-19

 


(Escrito por Renato Coelho)


No dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou Estado de Emergência Global em virtude da proliferação do novo coronavírus a partir de surtos localizados primeiramente na cidade de Wuhan, na China. Os contágios se espalharam para além das fronteiras chinesas, e vários países do mundo passaram a ter surtos da doença transmitida pelo novo coronavírus. Mas somente no dia 11 de março de 2020 e de forma tardia, é que a OMS decreta para o mundo o alerta de Pandemia do novo coronavírus diante do fracasso das políticas de mitigação de contágios adotadas pelos países afetados. A partir daí, a humanidade passa a enfrentar uma doença altamente letal e completamente desconhecida. Cada descoberta pela ciência sobre a Covid-19 tem se tornado em importante passo para desvendar os mistérios e descobrir a dinâmica da ação do vírus no corpo humano. Não se sabe ao certo os efeitos e as consequências do vírus no corpo humano a longo prazo, já que a doença é muito recente, porém, as observações em pacientes que receberam alta dos hospitais, tem indicado sequelas importantes em decorrência da covid-19. Existem ainda muitas dúvidas sobre a influência dos exercícios físicos em pacientes já recuperados da Covid-19, mas muita coisa tem sido descoberta pela ciência neste curto espaço de tempo de pandemia sobre o tema relacionado a exercícios físicos e a covid-19.

No início da pandemia do novo coronavírus, que se deu durante o primeiro semestre de 2020, se sabia muito pouco sobre as manifestações e as sequelas da Covid-19, porém, várias das perguntas foram sendo respondidas após intensas pesquisas e também através das experiências acumuladas no tratamento de pacientes infectados nestes mais de dez (10) meses de pandemia. Sabe-se atualmente que a Covid-19 não é somente uma doença pulmonar, ela é capaz de provocar a chamada “tempestade inflamatória” no corpo dos pacientes, atingindo praticamente todos os órgãos e tecidos do corpo humano. A Covid-19 é na verdade uma doença sistêmica, capaz de atacar ao mesmo tempo todos os órgãos humanos, desde os pulmões, passando pelo coração, cérebro, pele, olhos, sistema nervoso, rins, sistema circulatório e etc, provocando dificuldades respiratórias, fibroses pulmonares, fraquezas, confusões mentais, perda da libido, tromboses e AVC.




Figura 01 - "Tempestade Inflamatória" provocada pela Covid-19

Um dos órgãos que mais sofre com os ataques do vírus Sars-Cov-2, além dos pulmões, é o coração. O vírus ataca os músculos cardíacos podendo provocar sérias lesões miocárdicas (miocardite), arritmias, palpitações, paradas cardíacas e até mortes súbitas em esportistas e em atletas. Todo o sistema circulatório também sofre influência do vírus com surgimento de coagulações sanguíneas (tromboses). Segundo estudos publicados pela Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) em conjunto com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) [1], mesmo pessoas que apresentaram quadros leves da doença, podem apresentar sérias alterações eletrocardigráficas mesmo setenta (70) dias após o diagnóstico da doença. A Covid-19, segundo o estudo apresentado, tem provocado complicações cardiovasculares em cerca de 16% dos pacientes, lesões cardíacas em 20-30% dos pacientes hospitalizados e contribuindo para 40% dos óbitos. Para aqueles indivíduos que durante a fase aguda da doença apresentaram miocardite e que já receberam alta, a recomendação médica é três meses de espera antes do retorno aos exercícios físicos ou treinamento, e a realização de exames médicos detalhados (APP) neste período considerado.

Sabe-se que durante a pandemia e as regras de isolamento social, muitas pessoas passaram a cultivar uma vida sedentária e com considerável aumento da obesidade. Além disso, agravaram-se entre as populações de vários países problemas relacionados ao estresse, depressão e distúrbios mentais de variadas ordens. Sabe-se também da importância das práticas de exercícios físicos de forma contínua e regular como instrumento eficaz no auxílio do combate ao estresse, do sedentarismo e da obesidade. Os exercícios físicos podem auxiliar na construção de uma qualidade de vida melhor para a população em tempos de pandemia e até ajudar no equilíbrio do sistema imunológico, desde que sejam respeitadas as regras de distanciamento social, utilização de máscaras e a lavagem das mãos. Recomenda-se ainda a prática de exercícios físicos em locais abertos, ao ar livre e sem aglomerações de pessoas. Todavia, devido às sequelas graves provocadas pela covid-19 em pacientes já recuperados, a prescrição de exercícios físicos e de treinos, tem trazido grande preocupação e cautela entre os professores de educação física e os médicos, justamente para aquelas pessoas que já receberam alta, mesmo para os que apresentaram casos leves da doença. As atividades aeróbicas, como a prática da natação, por exemplo, não são recomendadas para pessoas que já tiveram a Covid-19, principalmente devido aos problemas correlacionados às inflamações do miocárdio que afetam grande parte destes pacientes. A sugestão é a realização de exames detalhados do coração e aguardar por cerca de três (3) meses, com acompanhamento médico, o retorno efetivo dos exercícios físicos (aeróbicos), incluso aqui a natação. Abaixo os fluxogramas para o retorno das atividades aeróbicas para pacientes que receberam alta da covid-19. No primeiro fluxograma o algoritmo a ser seguido para aqueles esportistas de práticas recreativas e no segundo gráfico o algoritmo para atletas de alto rendimento no período pós alta de covid-19.



 Figura 02 - Fluxograma para retorno de exercicios físicos em esportistas de recreação após a alta da covid-19.





                          

 Figura 03 - Fluxograma para retorno de exercícios  físicos em  atletas de alto rendimento após a alta de covid-19.





Referências

 [1] https://www.portal.cardiol.br/post/posicionamento-sobre-avaliacao-pre-participacao-cardiologica-apos-a-covid-19

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Natação e os Superspreaders



(Escrito por Renato Coelho)

Atualmente várias regiões do mundo vem enfrentando uma forte segunda onda da pandemia do novo coronavírus, inclusive o Brasil. Nos estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo e no Rio Grande do Sul as ocupações de leitos para UTI’s estão novamente quase no limite de 100%, com indícios de colapso iminente do sistema de saúde. A segunda onda de contágios é consequência da falta de políticas públicas eficazes de prevenção e de mitigação dos contágios pelo vírus Sars-Cov-2. As flexibilizações precoces e as intensas campanhas eleitorais municipais no Brasil serviram de estopim para esta segunda onda de covid-19.

São vários os fatores envolvidos na mecânica de contágios através do novo coronavirus, que vão desde  a amplitude da mobilidade humana, o distanciamento social, a frequência de aglomerações de pessoas, a utilização de máscaras, a higienização das mãos, a testagem em massa, o isolamento social, a densidade demográfica, as questões sócio-econômicas, o tratamento hospitalar dos doentes e também questões culturais que envolvem os contatos e as interações pessoais. Todos estes fatores  estão correlacionados ao porcentual de contágios e de óbitos numa determinada região. Essas variáveis influenciam diretamente na velocidade de contágios e na dispersão da pandemia no mundo. Entretanto, pesquisas realizadas pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (https://www.lshtm.ac.uk/) demonstram que cerca de 80% dos contágios da Covid-19 são transmitidos por cerca de apenas 10% dos contaminados. Por trás destes números se escondem  os chamados “superspreaders”, palavra que traduzida para o português significa “superespalhadores”, ou seja, existem certas pessoas e em determinados ambientes que juntos são capazes de transmitirem o vírus numa escala muito superior à média regional ou nacional de uma dada região ou país. O surgimento dos  “superspreaders”  está relacionado a questões biológicas do indivíduo (carga viral que ele carrega) e também a questões geográficas e culturais. Um “superspreader” não é uma pessoa, mas sim um conjunto de situações ou evento social, que envolvem muitas pessoas, ambientes específicos e o vírus Sars-Cov-2. A combinação de certos locais, com aglomerações de pessoas e o vírus da covid-19, são os ingredientes necessários e suficientes para o surgimento dos “superspreaders”, ou seja, os ambientes ou eventos super espalhadores do novo coronavirus.



Figura 01 - Transmissão do vírus Sars-Cov-2 em evento super espalhador.

Na história recente da pandemia do novo coronavirus, existem vários registros e confirmações de eventos “superspreaders”. Um dos primeiros casos noticiados e documentados de ambientes superespalhadores ocorreu na cidade de Washington nos EUA, onde 61 membros de um coral se reuniram sem as medidas preventivas contra a covid-19, e um dos integrantes do coral, presente no encontro, estava contaminado pelo novo coronavirus, porém, era assintomático. Após a realização deste evento, 53 pessoas testaram positivas para a covid-19, 3 pessoas foram hospitalizadas e 2 morreram. [1] 

Outro exemplo de evento superespalhador ocorreu em uma igreja em Seul, capital da Coréia do Sul, onde uma mulher, membra da igreja e que apresentava sintomas leves da covid-19, frequentou uma reunião daquela igreja, onde todos os participantes tiraram as máscaras para a realização de uma oração coletiva, e ao final daquela reunião, segundo dados do próprio governo coreano, 43 fiéis da igreja foram contaminados por apenas essa única pessoa.

Ainda na Coréia do Sul, um homem de 29 anos e contaminado com a covid-19, frequentou cerca de cinco (5) boates em um único final de semana na capital Seul, e após dançar e beber com várias pessoas nas boates em que passou, provocou um surto de covid-19 contaminando dezenas de pessoas, criando um evento denominado superespalhador. [2]



Figura 02 - O distanciamento social e a diminuição de contágios


Vários outros casos ocorridos também no Brasil podem ser relatados como exemplo de eventos superespalhadores, como os jogadores e a comissão técnica do Flamengo, que se contaminaram em viagem ao Equador durante a realização do torneio de futebol Libertadores da América no segundo semestre de 2020. Outro exemplo de ambiente superespalhador também ocorrido no Brasil, foi a posse do presidente do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2020, onde a maioria dos convidados e membros da corte foram contaminados, mesmo seguindo protocolos rígidos de segurança contra a covid-19. Neste caso se destaca a aglomeração de pessoas num ambiente fechado com ar condicionado. A cerimônia durou mais de três (3) horas e as pessoas ficaram confinadas num lugar fechado e sem ventilação natural, e mesmo com distanciamento e o uso de máscaras, houve um grande número de contágios entre os participantes devido ao efeito aerossol do vírus Sars_Cov-2, permitindo o contágio pelo ar e tornando o salão do STF num espaço superespalhador. O evento superespalhador mais famoso e que ficou conhecido mundialmente foi a cerimônia na Casa Branca, realizada em setembro de 2020 e que contaminou o presidente e candidato à reeleição dos EUA, Donald Trump. Já neste caso não houve a utilização de máscaras pelos participantes e nem tão pouco foi respeitado o distanciamento social. Mesmo sendo um evento realizado ao ar livre, se transformou assim num superespalhador da covid-19 em virtude das aglomerações.

Logo vemos que os chamados “Superspreaders” são eventos sociais capazes de potencializar a transmissão do vírus Sars-Cov-2. Se, por exemplo, numa cidade o índice de transmissão (Ro ou Rt) é alto e igual a 2 (Ro=2), significa que uma pessoa contaminada é capaz de transmitir o vírus para duas (2) outras pessoas. Mas no caso de um superespalhador, ele pode transmitir o vírus para 10, 50 ou 100 pessoas dependendo do contexto e não obedecendo a regra da constante de transmissibilidade Ro.

Qualquer ambiente onde ocorra aglomerações e não se respeitem as regras de distanciamento social, o uso de máscaras e a lavagem adequada das mãos, pode se transformar em um potencial evento superespalhador. Inclusive ambientes fechados e pouco arejados, mesmo com as prevenções adequadas, podem também se transformar em superespalhadores, como no exemplo da cerimônia de posse no STF em Brasília, onde vários convidados da cúpula do judiciário, que mesmo usando máscaras e seguindo os protocolos rígidos de segurança adotados naquele tribunal, se contaminaram, transformando o salão do STF num espaço superespalhador.

Não existe um ambiente em si mesmo que seja superespalhador, esses ambientes são criados pelo contexto da aglomeração, e que combinando com outras variáveis, bastando apenas a presença de um única pessoa positiva para a covid-19, faz então surgir o superespalhador e consequentemente potencializando os contágios.


Figura 03 - A - cadeia de contágios do coronavírus;  B - quebra da cadeia de contágios com o distanciamento social.


As academias de ginástica e as escolas de natação também podem se transformar em ambientes superespalhadores dentro de um contexto de pandemia no Brasil onde atualmente Rt >1. Estes ambientes são na sua grande maioria locais fechados com ar condicionado, com intensas aglomerações de alunos e constantes contatos (toques) manuais em aparelhos. Ressalta-se ainda a realização, por parte dos praticantes, de uma respiração intensa e ofegante, e que combinado com a alta taxa de sudorese, se tornam facilitadores de transmissões, levando risco aos professores e alunos. 

Mas, o que se observa atualmente, após as flexibilizações do isolamento social no mundo todo, é o cansaço e a desesperança de muitas pessoas com relação à pandemia. Aliada ao extremo cansaço e ao estresse da população em geral, existe também o descrédito dos políticos com relação à implantação de novas regras de isolamento social. O descaso das autoridades brasileiras frente à pandemia tem feito elevar os números de contágios e de óbitos nesta segunda onda da covid-19 no Brasil, no que podemos denominar de um verdadeiro extermínio de classe. Muitos dos protocolos planejados para as academias e escolas (incluímos aqui também as escolas de natação) em sua maioria não são colocados em prática durante as aulas, não funcionam ou não são eficazes no seu cotidiano. E mais uma vez, tanto no ambiente escolar quanto nas academias, a educação física está sendo colocada em xeque, não pelo vírus Sars-Cov-2, mas pelo total descaso das autoridades e pelo mercado insaciável do capital, que exclui os trabalhadores e alunos da educação física do direito à proteção e à saúde, impondo o desemprego e a fome àqueles que não tem opção em escolher entre a vida ou a morte dentro do contexto da super exploração do trabalho na pandemia.

 

 [1] https://exame.com/ciencia/o-superpoder-de-espalhar-covid-19-por-que-alguns-transmitem-mais-o-virus/

                             [2]  https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/05/13/interna_internacional,1146965/governo-investiga-quem-esteve-em-boate-contra-nova-onda-de-covid-19-n.shtml

terça-feira, 24 de novembro de 2020

As aulas de natação e o vírus Sars-Cov-2



 (Escrito por Renato Coelho)

No dia 05/10/2020 o chamado Centro de Prevenções para Doenças (CDC) dos EUA divulgou em seu site (https://www.cdc.gov/) uma importante informação sobre os novos mecanismos de transmissão do vírus Sars-Cov-2. Foi confirmado pela comunidade científica internacional que a Covid-19 pode ser transmitida pelo ar em ambientes fechados com ventilação inadequada, desde que a pessoa contaminada pelo vírus esteja respirando profundamente dentro destes locais, como por exemplo, se estiver cantando ou se exercitando. Esse tema já vinha sendo discutido e debatido por médicos e cientistas em todo o mundo, mas somente agora foi confirmada pela comunidade científica internacional.

Essa confirmação demonstra que o novo coronavirus pode ser transmitido na forma de aerossóis, em pequenas partículas que ficam em suspensão no ar por um período de tempo prolongado e em ambientes fechados. Nestes casos a proteção por máscaras não funcionam, já que estes equipamentos de proteção servem de barreira física apenas para gotículas “pesadas” que caem perfazendo trajetórias balísticas  rumo ao chão ou pequenas partículas que contenham o vírus e que são atraídas para baixo pela gravidade, como por exemplo, gotas de saliva expelidas pela boca de uma pessoa contaminada. Os aerossóis que contém o vírus, ao contrário daquelas, são nanopartículas que “flutuam” no ar, que podem atravessar as camadas de proteção das máscaras e assim entrar  no sistema respiratório das pessoas que frequentam estes mesmos ambientes fechados e sem ventilação (ver figura 01 abaixo). Os aerossóis são partículas tão leves e minúsculas que podem levar o vírus a uma distância até mesmo superior a dois (2) metros de distância. Mesmo que a pessoa infectada já tenha saído daquele ambiente fechado, existe ainda a probabilidade de contágio por terceiros que adentrem tais espaços. As partículas virais em suspensão no ar na forma de aerossóis podem ficar por horas seguidas flutuando no ar em recintos fechados e não arejados. Essa nova informação prova que o vírus Sars-Cov-2 apresenta uma transmissão mais alta e perigosa do que se pensava anteriormente. Essas evidências exigem a tomada de maiores cuidados de proteção e na revisão dos protocolos de segurança contra a Covid-19.

Figura 01 - A propagação dos aerossóis pelo ar

Quando em ambientes fechados e sem ventilação adequada o vírus Sars-Cov-2 pode se transformar na forma de aerossóis e contaminar pessoas mesmo que utilizem máscaras e ainda num raio superior a 2m de contatos, significando que no período de pandemia deve-se evitar salas e ambientes fechados sem ventilação, pois os protocolos já conhecidos como a utilização de máscaras e o distanciamento social não são eficazes nestas situações.


Figura 02 - Piscina construída em ambiente aberto


Figura03 - Piscina construída em ambiente fechado

Essas novas evidências sobre o comportamento do novo coronavirus colocam o mundo em alerta no que tange a assuntos sobre regimentos e as regras atuais  de proteção e combate à covid-19. No caso de frequência de pessoas em  escolas, universidades, escolas de natação e em academias de ginástica, em que podem existir salas ou ambientes fechados e sem ventilação, além da abertura destes locais terem que  respeitar os critérios de flexibilização para funcionamento que levem em consideração a queda no número de contágios e no controle da pandemia na cidade ou país em questão, devem ser revistos também as características arquitetônicas destas instituições,  a fim de se manter a segurança de seus frequentadores em relação ao contágio da covid-19.

Na Figura 02 vemos uma piscina construída em espaço aberto, que permite ventilação natural e contínua, diminuindo a probabilidade de contágios pelo novo coronavírus, desde que mantidos todos os protocolos de biossegurança e a observação das taxas (Rt) de crescimento da pandemia. Já na Figura 03 acima temos uma piscina construída num ambiente fechado, o que aumenta a probabilidade de contágios e da formação de aerossóis do novo coronavírus a depender da quantidade de pessoas no seu interior e dos contatos. Essa última arquitetura de piscinas não é recomendada para este atual momento de pandemia. Recomenda-se aulas nestes ambientes apenas quando Rt < 1 e as normas de biossegurança sejam seguidas. Todas as janelas dos ambientes de piscinas fechadas devem sempre estarem abertas para maior ventilação e arejamento. Não se recomenda neste dado momento a utilização de piscinas em ambientes fechados e com ar condicionado.

                                                     FIGURA 04 - A fluidodinâmica dos contágios pelo novo coronavírus: gotículas e aerossóis

Essas novas e preocupantes informações com relação ao comportamento do novo coronavírus, e que vem sendo aos poucos descobertas e reveladas publicamente, colocam todos os professores de educação física dentro de um novo contexto profissional, num novo processo contínuo de reavaliação processual e metodológica, tendo que repensar incessantemente a realização ou a não realização das suas práticas em determinados ambientes e com determinados conteúdos, haja visto que vivemos um momento de flexibilização total de todas as atividades sem, no entanto, um embasamento técnico-científico de segurança para abertura e funcionamento principalmente de escolas e de academias de ginástica, ficando as tomadas de decisões embasadas apenas em sugestões ou especulações de políticos ou de empresários, que em sua maioria, não possuem conhecimento ou compromisso com as questões de saúde pública, colocando os lucros acima das vidas humanas.



Figura 05 - Espalhamento de partículas por aerossóis em ambientes fechados

Ao final de tudo, todas as decisões importantes acabam caindo nas mãos dos professores de escolas ou de academias, decisões sobre a vida e sobre a morte, em que pese a ausência total de políticas públicas governamentais de mitigação dos contágios da covid-19. Assim sendo, tais decisões que deveriam ser coletivas e pautadas na ciência e na saúde pública, terminam sendo decisões paliativas e que tangem apenas o âmbito do individual. Daí os motivos que explicam o Brasil ocupar de forma vergonhosa as primeiras posições de contágios e de óbitos pela covid-19 em todo o mundo. De qualquer forma é aconselhável sempre o uso de máscaras em locais públicos e a manutenção do distanciamento social.

 


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Aulas de Natação na Pandemia do Novo Coronavírus

 


Foto 01 - Atletas olímpicos brasileiros do COB treinam em Portugal para as olimpíadas de Tóquio em virtude da pandemia.


(Escrito por: Renato Coelho)

Quando se devem iniciar as aulas ou treinamentos de natação para grupos de alunos iniciantes ou de nadadores de alto rendimento durante a pandemia do novo coronavírus? Uma turma de natação pode criar um ambiente favorável  de transmissão do novo coronavírus (“super-spreader”)? Medição de temperatura na entrada, álcool em gel nas mãos, tapetes sanitizadores, máscaras, protetores faciais em acrílico, ambientes abertos e todos os demais protocolos de biossegurança criados são realmente seguros e eficazes? As repostas a essas perguntas estarão sempre relacionadas à dinâmica de crescimento da pandemia, ou seja, de acordo com a mensuração e controle das taxas de contágios do novo coronavírus numa dada cidade ou região. Quando os índices de contágios pelo novo coronavírus estão em fase ascendente (crescente), significa que a pandemia está fora de controle e portanto não deve haver aulas com grupos ou turmas de natação, seja em ambientes abertos ou fechados. Não importa o quanto sejam rígidos os protocolos de biossegurança ou as normas de proteção, os participantes das aulas sempre estarão sobre risco iminente de contágio quando a pandemia estiver fora de controle, ou seja, na sua fase ascendente.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) (https://www.who.int/eportuguese/publications/pt/), existem seis critérios em que países, estados e municípios devem observar antes de flexibilizarem as regras de isolamento social e assim estabelecer cronogramas para a abertura de atividades tais  como: comércio, indústria e instituições educacionais, incluso aqui também as aulas em escolas de natação. São critérios científicos e adotados por diversos países, que diferentemente do Brasil, conseguiram controlar a pandemia do novo coronavírus no primeiro semestre de 2020. Somente estes critérios são capazes de definir com exatidão e segurança qual o momento exato para se permitir a abertura e flexibilização para as diversas atividades humanas na área da economia, lazer, entretenimento, esporte e educação. Sabemos que atualmente uma voraz e rápida segunda onda de contágios avança sobre países de diversas regiões do planeta, que não tomaram as medidas corretas no seu devido tempo, e os índices de contágios e de óbitos voltaram a subir de forma drástica e descontrolada nestas mesmas regiões, provando que o vírus é mais perigoso do que se imaginava.

Vamos então aos critérios da OMS que podem nortear a abertura de escolas e  também de turmas de natação:

O primeiro critério, segundo a OMS, diz que a cidade ou região deve possuir um sistema de saúde capaz de identificar, testar, isolar, rastrear todos os contatos e tratar as pessoas infectadas. A testagem em massa é fundamental para o efetivo controle da pandemia. Faz-se a testagem de toda a população, em seguida isolam os positivados, depois faz-se o rastreamento de todos as pessoas que tiveram contatos recentes com essas mesmas pessoas contaminadas. O segundo critério é a garantia de que os locais de trabalho e os demais ambientes  frequentados por todas as pessoas sejam locais seguros  contra os contágios, ou seja, arejados, sem aglomerações e com disponibilidade de equipamentos de segurança individual (EPI). O terceiro critério diz respeito a adoção de barreiras sanitárias para atender os casos de pessoas já contaminadas e cuja origem seja de fora da cidade ou do país (casos importados), seja em aeroportos, rodovias, portos ou entradas das cidades. O quarto critério é o controle de eventuais surtos em locais estratégicos como hospitais e casas de repouso, para se evitar o aumento na taxa de crescimento da pandemia. O quinto critério é a adoção de medidas preventivas para a conscientização da população com relação à pandemia e suas formas de contágio. O sexto e último critério sugere que a reabertura e flexibilização das atividades econômicas, sociais e culturais  devem ocorrer somente quando as taxas de contágios estiverem em queda, ou seja, somente quando a pandemia estiver sob controle.

Uma regra importante e que não foi listada pela OMS é a adoção de políticas econômicas robustas de fomento para as empresas e para todos os trabalhadores de atividades não essenciais que foram obrigados a participar do isolamento social.

Assim sendo, vemos que em Goiás e em Goiânia, os governos não adotaram e continuam não adotando de forma integrada nenhuma dessas  seis medidas de prevenção e de controle da pandemia. O que presenciamos são flexibilizações precoces e aligeiradas que são as grandes responsáveis pelo número exagerado de mortes, onde os professores de Educação Física e todos os demais trabalhadores em geral acabam por arriscarem as suas próprias vidas para a manutenção diária de suas necessidades materiais e financeiras, simplesmente porque não existe nenhuma ação coordenada para a promoção do controle da pandemia por parte dos governos (Municipais, Estaduais e Federal). 

O crescimento e a velocidade de epidemias obedecem às chamadas curvas exponenciais, onde a velocidade do surgimento de novos casos estará sempre relacionada ao número de casos pré-existentes, crescendo vertiginosamente numa progressão geométrica, podendo dobrar em semanas ou dias a quantidade total de novos casos e de óbitos a depender de sua dinâmica. A forma e a trajetória desta curva se relaciona a vários fatores, como o nível de isolamento populacional, o uso de protocolos de saúde, como por exemplo, o uso obrigatório de máscaras em locais públicos, a existência ou não de vacinas, da quantidade de pessoas imunes e também às características do próprio vírus.



Figura 01 - Curva exponencial de uma pandemia com 3 ondas

O chamado coeficiente de transmissão (Rt) mede a velocidade de transmissão do vírus, ou seja, ele é capaz de nos informar se a pandemia em determinada região ou país está em processo de aceleração ou de desaceleração. A Grosso modo, o coeficiente de transmissão Rt da pandemia mede a inclinação da curva exponencial, ou seja, se a curva é crescente, significa que há aumento na taxa de transmissão, então Rt  > 1, e consequentemente haverá aumento de casos de novos contágios (ver Figura 01 acima). Caso a curva seja decrescente Rt < 1, significa que a pandemia está em desaceleração, logo haverá diminuição na taxa de novos contágios. Portanto, sendo Rt > 1 a pandemia está em estágio de crescimento acelerado, e sendo Rt < 1, significa que a pandemia está em processo de desaceleração. Por exemplo, o Brasil hoje, no atual estágio da pandemia apresenta hoje Rt = 1,21 e significa que cada grupo de 100 pessoas é capaz de contaminar outras 121 pessoas (aumento da transmissão). Em outubro o valor Rt no Brasil chegou ao valor de 0,68 e significava que um grupo de 100 pessoas era capaz de contaminar outras 68 pessoas (transmissão em desaceleração). Então, seguindo as normas e observações das taxas de crescimento da pandemia, os períodos recomendados para funcionamento de aulas de natação devem seguir não somente os protocolos de biossegurança recomendados (máscaras, álcool em gel, protetor facial, distanciamento social), mas também a observância da taxa de crescimento da pandemia (Rt) e sem o acompanhamento diário de Rt, a utilização de equipamentos de biossegurança se torna ineficaz. Quando Rt > 1, as aulas devem ser automaticamente suspensas (ver gráfico 02 abaixo).


Figura 02 - Taxa de transmissão e o período recomendado para aulas de natação 

Na Figura 02 acima, no período de 0 até A, vemos que a curva é crescente e o valor de Rt>1, logo não se recomenda a prática de aulas em escolas de natação ou em academias. De A até B a curva cresce e continua com Rt>1. Já de B até C a curva apresenta uma acentuada desaceleração Rt<1, porém o número de novos  contágios apresenta uma média alta (acima de M), e por isso também não se recomenda a prática de aulas coletivas de natação, seja em escolas ou academias. Na trajetória de C a D na curva observarmos uma desaceleração dos contágios Rt<1 e uma média inferior a M, tornando segura a abertura de escolas e academias de natação, desde que utilize todos os protocolos de biossegurança (máscara, álcool gel, etc.) e o distanciamento social. 

Quando se promove o isolamento social é justamente para tentar frear a curva exponencial e achatá-la, ou seja, de permitir que o sistema de saúde local tenha condições de atender à grande demanda exigida pela pandemia, sem permitir com que o sistema de saúde entre em colapso. Entretanto, o que assistimos no Brasil, durante o ano de 2020, foi que nenhum governo municipal, estadual e muito menos o governo federal conseguiu achatar a curva e evitar o colapso do sistema de saúde nas diferentes regiões do país. As curvas atingiram o pico abruptamente e de forma avassaladora nas regiões Norte, Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste do Brasil sem exceção, e hoje enfrentamos uma segunda onda de contágios.

Nunca houve no Brasil quarentena verdadeira, as constantes e apressadas flexibilizações do comércio, a forte pressão do governo Federal para o fim do isolamento social adotado por governadores e ainda a falta de remuneração salarial por parte do Estado para as pessoas realmente se manterem em casa durante a pandemia, fizeram fracassar qualquer tipo de planejamento ou estratégia de isolamento social no país. Não é possível para as famílias de trabalhadores  se manterem afastadas do trabalho e em casa sem uma remuneração salarial por parte do Estado. O chamado auxílio emergencial, além de ter sido tardio, com um valor inicial  e irrisório de apenas 600 reais, que hoje foi reduzido para a metade (300 reais), tornou inviável qualquer forma de quarentena ou de isolamento social eficaz para a  maioria dos trabalhadores e de desempregados do Brasil. Era dever do Estado financiar e garantir  a quarentena da população brasileira com remuneração salarial digna (valor maior ou igual a 01 salário mínimo) para todos os trabalhadores brasileiros que foram obrigados a ficarem em casa durante a quarentena. Tal medida não somente permitiria a realização da quarentena por milhões de brasileiros, assim como também garantiria a manutenção dos empregos a curto e médio prazo.

O que assistimos atualmente no Brasil é o vírus totalmente fora de controle e a promoção por parte do Estado de um verdadeiro extermínio de classe, onde milhares de trabalhadores pobres e desempregados morrem cotidianamente no país. Se antes da pandemia os números da miséria e do desemprego já eram altos, promovendo uma vida anormal, esses números aumentaram ainda mais durante o ano de 2020. A pandemia ajuda a desnudar e também potencializar as injustiças e mazelas do Brasil e do mundo.

 

 



segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Natação e Pandemia



Foto 01 - Parque Aquático - Centro de Excelência dos Esportes - ESEFFEGO  (Goiânia)


(Escrito por Renato Coelho)

Atualmente o mundo está enfrentando uma pandemia que tem provocado, além das graves crises econômicas e sociais, também centenas de milhares de contágios e de óbitos em pessoas por todo o planeta. Segundo os dados atuais do Ministério da Saúde, o Brasil já contabiliza mais de 409.000 óbitos pela Covid-19 e aproximadamente 15 milhões de contágios desde o início da pandemia. Mesmo sabendo que estes números são subnotificados, é uma estatística assustadora e inadmissível, e no entanto, poderia ter sido uma realidade muito diferente se existissem políticas públicas de mitigação e de prevenção de contágios no país. 
O vírus Sars-Cov-2 tem demonstrado ser bastante contagioso e de alta letalidade, e ainda totalmente desconhecido pela ciência moderna. Não se sabe ainda com exatidão e clareza como é a sua real dinâmica de contágios e as suas diferentes formas de ação sobre o corpo humano. São várias as perguntas ainda sem respostas sobre o novo coronavírus e a cada dia surgem novas perguntas. Como se dá as transmissão do vírus em crianças? Por que pessoas jovens e sem comorbidades morrem pela covid-19? Como surgiu de fato a primeira transmissão pelo Sars-Cov-2 em humanos? Existem protocolos de segurança 100% eficazes? As vacinas recém descobertas serão eficazes diante das novas mutações?

E é dentro deste contexto tenebroso em que se encontra atualmente a Educação Física e o ensino da natação, onde professores e alunos estão diariamente participando de aulas em pleno auge de contágios e de óbitos, entretanto, sem nenhuma certeza sobre a real situação da pandemia em Goiás e no Brasil. É seguro ministrar aulas de natação no estágio atual da pandemia? Podemos confiar inteiramente nos protocolos adotados pelas escolas e clubes de natação? Quais os verdadeiros riscos para praticantes e professores de natação diante da propagação acelerada do vírus? Deve-se cancelar ou manter as aulas de natação no atual momento  da chegada iminente de uma terceira onda da pandemia no Brasil?

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deflagrou tardiamente o alerta de pandemia do vírus Sars-Cov-2 para todos os países, e no dia 13 de março, o governo do Estado de Goiás, através do decreto nº 9633, impôs várias medidas de isolamento social com paralisação de todo o setor produtivo, exceto as chamadas atividades essenciais ligadas à saúde, alimentação e ao transporte. E no dia 15 de março todas as atividades presenciais das instituições educacionais também foram suspensas e substituídas por aulas remotas via internet. A partir de então, todas as aulas presenciais foram substituídas pelo chamado Ensino à Distância (EaD), inclusive as aulas de natação em escolas, condomínios, clubes e universidades. Aulas presenciais em geral foram substituídas por aulas virtuais, a fim de se evitar aglomerações e contatos diversos entre pessoas que pudessem potencializar os contágios pelo novo coronavirus. E também as aulas presenciais de natação entraram nesse universo de proibições. Não houve de fato continuidade ou eficácia nas medidas iniciais adotadas pelo governo estadual, não perdurou se quer por duas semanas e ainda sempre a pressão e o lobby dos setores econômicos contra medidas rígidas de controle da pandemia prevaleceram. Não houve tão pouco a criação pelo governo estadual de políticas públicas efetivas de auxílio econômico aos que perderam os empregos ou que tiveram que paralisar o trabalho. Os resultados são contabilizados atualmente nas mais de 15 mil vidas abreviadas somente no estado de Goiás, sendo uma das mais altas taxas proporcionais de mortalidade de todo o mundo.

Mas afinal de contas, quais seriam os problemas para a suspensão das aulas presenciais de natação? Haja visto que as mesmas são realizadas em ambientes abertos, ao ar livre e a água das piscinas possuem alta concentração de cloro? Então, o por quê da sua suspensão? Vamos para as respostas:

Desde que não haja aglomerações, as atividade da natação em si mesma ou qualquer outra atividade aquática não é capaz de potencializar ou promover contágios ou mortes pela covid-19, ainda mais levando-se em conta que as atividades aquáticas são realizadas, em sua maioria, em espaços abertos e ao ar livre. As questões relacionadas aos contágios não se relacionam diretamente às práticas dos exercícios físicos aquáticos em si, sejam em piscinas, rios, lagos ou no mar. Entretanto, o maior perigo reside de fato nos contatos e aglomerações que essas atividades aquáticas são capazes de promover dentro ou fora das piscinas, ou ainda nas escolas de natação. Aulas de natação não são comparáveis a outras atividades sociais quaisquer, pois envolvem grupos de pessoas que podem produzir interações totalmente distintas daqueles realizados em áreas comerciais ou em locais de lazer. Uma pessoa pode nadar sozinha numa piscina, realizar um mergulho livre e solitário no rio, lagoa ou no mar sem contribuir para a propagação do vírus Sars-Cov-2. O grande problema é que as atividades aquáticas podem ser promotoras de aglomerações, seja numa praia e mais ainda numa escola de natação. Uma criança, por exemplo, que participa de uma aula de natação com uma pequena turma de 30 alunos é capaz de efetuar mais de 808 contatos apenas na  primeira semana de aula (com apenas 3 aulas por semana), contando todos os contatos no seu trajeto, a partir da saída de sua casa até a escola de natação, no caminho de ida e volta, e também levando em conta os contatos que se dão no interior da escola com colegas e professores. Além da possibilidade de se promover aglomerações de pessoas numa aula de natação, há que se destacar ainda um segundo fator importante, que é o tempo de permanência nas aulas, que pode durar em média entre uma e duas horas, ampliando ainda mais a margem de contatos.

A água da piscina estando higienizada, clorada e constantemente tratada, estará com o índice de PH ideal, e assim não se tornará em ambiente favorável a novos contágios, pois o vírus Sars-Cov-2 não é capaz de sobreviver ao contato de soluções químicas adicionadas à água de uma piscina tratada regularmente. Porém, segundo pesquisas recentes, o vírus Sars-Cov-2 é capaz de sobreviver em determinadas superfícies por horas ou dias. Por exemplo, no aço inoxidável e no plástico, o tempo médio de vida do novo coronavirus é de 3 dias; já no papelão é de 1 dia e no cobre é cerca de 4 horas. Logo, mesmo sabendo que é muito baixa a possibilidade de transmissão do vírus através de superfícies de contato (1 em cada 10.000)  os locais onde se realizam as aulas de natação podem se transformar facilmente em ambientes chamados de “super transmissores” do vírus, através de contágios nas maçanetas das portas, nos vestiários, nos armários, nas cadeiras, catracas, pisos, corrimãos e etc.



Fig. 01 - Tempo de vida do Novo Coronavírus em superfícies distintas.

Supondo ainda que tais ambientes onde se realizam as aulas de natação sejam sanitizados diariamente, higienizados e passem por rigorosos protocolos de segurança sanitária contra contágios por vírus, o grande problema passa a ser agora os contatos sociais dentro das aulas, as interações e as aglomerações dentro e em volta das piscinas. Numa piscina, mesmo considerando as instalações em espaços abertos, os contatos mais importantes entre alunos e professores, e entre alunos e alunos se dão principalmente nas bordas das piscinas, nos blocos de saída, nas escadas das piscinas e nos vestiários. Torna-se praticamente impossível eliminar esses contatos considerando as relações e interações nas aulas de natação, dentro e fora das piscinas. E quando se trata de aulas de natação para crianças entre 01 a 05 anos de idade, quando há a necessidade do professor(a) estar na água junto com a criança, não sendo possível o distanciamento social, a transmissão do vírus se torna muito mais fácil e rápida, sendo capaz de promover novos surtos. 

Outro fator importante e que deve ser levado em consideração com relação ao ensino da natação em tempos de pandemia, é que a prática da natação, por ser uma atividade essencialmente aeróbica, envolve contínua e  intensa respiração (inspiração e expiração de forma explosiva) capaz de potencializar a produção de gotículas de saliva e de aerossóis no ambiente externo. Uma outra característica importante da respiração durante a atividade de natação, consequência da inspiração e expiração rápida, contínua e explosiva, é a eliminação intensa e contínua de expurgos, ou seja, é muito comum um nadador expelir durante as aulas na piscina, uma grande quantidade de fluídos pelo nariz e pela boca, como por exemplo, grande quantidade de catarro. E essa importante peculiaridade da prática de natação, pode facilitar os contágios e surtos pelo novo coronavirus, bastando apenas um único aluno estar positivado para a Covid-19 e presente nas aulas.

Existem normas e protocolos importantes a serem utilizados em aulas de natação, como o rodízio de alunos, distanciamento (um aluno por raia), disponibilização de álcool em gel, uso de máscaras e protetores faciais pelos professores, escalonamento de horários por turmas, uso de tapetes sanitizantes e etc. Porém, a continuidade ou não das aulas deve obedecer a rígidos critérios relacionados ao grau de contágios e de óbitos na cidade ou país. Caso contrário, nenhuma destas normas ou protocolos, por mais rígidos que sejam, surtirão o efeito esperado no que tange à proteção de alunos e de professores nas aulas de natação, pois não existe protocolo sanitário com 100% de eficácia quando se registra crescimento na curva exponencial de contágios (Rt > 1).



Fig. 02 - Coeficiente de Transmissão Rt  (Rt > 1 e Rt < 1)


O chamado coeficiente de transmissão (Rt) mede a velocidade de transmissão do vírus, permitindo acompanhar a taxa de evolução e a dinâmica da pandemia ao longo do tempo. Como mostra a figura 02 acima, quando a curva sobe (ascendente) significa que a taxa de transmissão está em aceleração (Rt > 1), indicando que os contágios estão aumentando. Quando a curva é descendente,  significa que Rt<1, logo os contágios estão diminuindo ao longo do tempo. Quando Rt = 1 , significa que a curva é constante (platô). Por exemplo, se numa dada cidade o Rt = 2,3 (Rt > 1), significa que 10 pessoas transmitem o vírus para outras 23 pessoas, mostrando que a pandemia está fora de controle e crescendo. Se o Rt = 0,5 (Rt<1) demonstra que 10 pessoas contaminadas trasmitem o vírus para outras 5 pessoas, assim sendo a pandemia está sob controle e em diminuição. As aulas de natação só devem ser realizadas quando o Rt <1 e ainda quando os números absolutos de contágios e de óbitos também forem baixos. É importante destacar também que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para a abertura de escolas e quaisquer outras atividades não essenciais, o número de testes positivios em RT-PCR da população nunca deve ser superior a 10% (100 testes positivados para cada 1.000 pessoas testadas) 

Portanto, não basta apenas a adoção de critérios de biossegurança nas aulas ou em escolas de natação. O uso de álcool em gel nas mãos, medidor de temperatura, máscaras e protetores faciais de acrílico não são capazes de garantir total segurança de alunos e de professores numa escola ou academia de natação.  É fundamental ainda observar a dinâmica de evolução do vírus na cidade ou região na qual residem os sujeitos envolvidos nas atividades de ensino e aprendizagem da natação. Quando, por exemplo, o coeficiente de transmissão (Rt) em uma cidade for superior a 1,  (Rt>1) indicando aceleração de contágios numa dada região, as aulas de natação devem ser suspensas, pois não existem protocolos seguros e eficazes para aulas presenciais de natação quando a curva exponencial de contágios é crescente (Rt>1), e o melhor a se fazer nesta situação é o isolamento social e o cancelamento das atividades não essenciais, como por exemplo as aulas de natação.  Porém, não é isso o que estamos presenciando em Goiás e no Brasil. Com a flexibilização de todas as atividades econômicas não essenciais e o total descontrole da pandemia em Goiás, estamos assistindo o surgimento de uma iminente terceira onda de contágios e com características mais danosas e agressivas do que a primeira e a segunda onda que assistimos no segundo semestre de 2020 (1º onda) e recentemente em março e abril de 2021 (atual 2º onda), podendo infelizmente produzir maiores danos e vítimas.